Julieta González é atualmente Diretora Artística do Instituto Inhotim no Brasil. É curadora independente e pesquisadora que trabalha na intersecção das artes visuais, antropologia, arquitetura e ecologia. Ela desenvolveu uma ampla variedade de projetos de pesquisa e exposição que abordam o subdesenvolvimento e a estética decolonial na América Latina. Ocupou cargos de curadoria em instituições como Tate Modern, Museo Tamayo, Museu de Arte de São Paulo (MASP), Museu do Bronx, Museo de Bellas Artes de Caracas, entre outros. Organizou e co-organizou mais de sessenta exposições e publicou numerosos ensaios em catálogos de exposições e publicações periódicas.
Memórias do Subdesenvolvimento, ambientado no contexto da América Latina das décadas de 1960 a 1980, explora como os artistas latino-americanos responderam ao desvendamento da promessa utópica de modernização. Na década de 1960, a opressão política e as brutais ditaduras militares haviam desiludido muitas de suas esperanças políticas e, principalmente, artísticas. González fala sobre a pesquisa por trás de sua exposição de forma simples porém rica em detalhes de conteúdo e material utilizados em seu maior projeto da década de 60 à 80. O texto disponibilizado está, em sua primeira versão, em espanhol, mas há também a versão traduzida para o inglês por simples formalidades de um artigo cientifico pessoal e crítico sobre a sua época de vivência mais movimentada e de mentalidade fortemente questionadora da artista e pesquisadora.
Artistas buscaram novas formas de se conectar com o público, com estratégias conceituais e performáticas surgindo como alternativas produtivas para estilos mais antigos, em especial destaque a abstração geométrica. Este é o primeiro levantamento significativo dessas décadas decisivas, reunindo o trabalho de artistas de toda a América Latina, incluindo tanto artistas conhecidos nos EUA, como Hélio Oiticica e Lygia Pape, quanto nomes menos conhecidos.
A contradição presente no título dado a pesquisa efetivada por Julieta Gonzalez e apoiada por Sharon Lerner, curadora de arte contemporânea do Museo de Arte de Lima (MALI), Memórias do Subdesenvolvimento, conversa não apenas com um filme alegórico do diretor cubano Tomás Gutierrez Alea, que invoca uma generalidade e identidade latino- americana no tempo como marco cultural para apropriar-se dela como um lugar comum de resistência, de revisão crítica, tão ambígua quanto vasta, que é o Ocidente (ao qual pertencemos e não pertencemos, onde é possível viver no tempo emprestado).
O lugar onde a ilusão de modernidade que construímos durante a segunda metade do século XX é rompida e polarizada. O subdesenvolvimento como algo que na experiência vivida vai muito além da teoria econômica e se torna em um caráter de dúvida, uma vocação crítica sempre muito confusa e de extrema caracterização para quem lê o texto acompanhado de fotografias do projeto.
Muitas das questões levantadas pela autora que poderíamos fazer sobre nossa modernidade para assimilá-la, são retomadas repetidamente e fortemente pela autora em suas palavras e ações a partir do “transobjeto” proposto ao longo da pesquisa de Julieta González com o exemplo dos objetos de Hélio Oiticica.
Na forma como explica Julieta, os parangolés resultaram de um repensar do corpo em termos de espaço público, e foram controversos em sua época não só por romperem com os parâmetros estabelecidos do que é e do que não é permitido dentro do tradicionalismo imposto aos artistas latino-americanos, mas também porque, como dispositivos, incorporaram uma carga política envolvendo questões de raça e classe que muito precisavam ser debatidas na época e ainda permanecem nos dias de hoje.
A pesquisa em si não se trata apenas de um ato de protesto para modernizar conteúdos com pontos de vista a preocupações mais atuais, tanto quanto é uma tentativa de trabalhar com bases conceituais para definir um estado geral de coisas e delinear a ideia de realidade e em suas manifestações ocultas no cenário moderno. Aquilo que se afasta, torna-se portátil, torna-se efémero, e é, na sua natureza transitória (como a própria Modernidade), imposto à paisagem. Não são fenómenos isolados, dispostos neste ou naquele local, como o catálogo de exemplares frequente e comumente é fornecido numa exposição dita como tradicional. Não é uma revisão, uma atualização, nem uma reformulação, mas a encenação de uma demonstração das ligações e pontes entre todas essas expressões como um quadro de referência para o papel, impacto e alcance dos países latino-americanos no cenário da arte contemporânea. Ainda, de certa forma, de maneira um tanto despretensiosa mais ainda forte e independente assim como a artista defende suas visões na pesquisa a todo tempo.
Julieta González traça um mapa (ou uma série de mapas com vasos que se conectam e conversam entre si) a meio caminho entre a experiência vivida e a representação. Com recursos que, ainda que bastante polêmicos para a sua época, podem ser usados como linguagem viva e “portátil”. E entre os quais se encontram ressonâncias e semelhanças, não apenas em termos de sua execução ou de sua geografia, mas também em termos de uma revisão crítica e precisa em sua realização no espaço artístico.
Para expressar e demonstrar de forma abstrata e extremamente expressiva, ela buscou desvincular a produção de artistas latino-americanos dos anos 60 e 70 do quadro conceitualista em que foram tipificados pelas revisões históricas da arte realizadas desde o final dos anos 90, e aprofundar as especificidades de sua produção, especificamente em relação à retórica do desenvolvimento e às estratégias de resistência ao que muitos percebiam ser uma renovação do empreendimento colonialista sob o pretexto da modernização. A sua exposição analisou essas práticas através das operações conceituais e estéticas que esses artistas utilizaram para se contestar à imposição de uma agenda modernista nas artes e na cultura do período Como por exemplos que a pesquisa da autora deixa muito claro são: críticas ao legado colonial e instituições religiosas insensatas, apoio a movimentos rurais e suas causas, crítica ao extrativismo das corporações transnacionais, uso da informação e suas redes de circulação. E ainda além da denúncia do racismo estrutural e da pobreza na América Latina insere, também uma proposta de reconfiguração do paradigma construtivo a partir de disposições do sensório, pedagogias radicais e a incorporação de vocabulários populares (gírias da época e de seu contexto na história da América Latina) em prática nas ruas e nas cidades pelo continente.
Por tudo isso, após a leitura do texto, acreditamos que a proposta feita por não somente Julieta Gonzalez, mas também seus colegas, expectadores, participantes e apoiadores foi essencial para o desenvolvimento e aprofundamento da evolução conceitual na arte afim também fazer parte de movimentos sociais e não somente uma espécie de ornamento sem significado e “sem vida”, segundo a autora. Tanto suas instalações quanto experimentos sociais tem grande importância na história para a formação da sociedade como unidade em um objetivo de identidade nacional e valorização da mesma como latino-americanos e artistas de tempos tão obscuros e conturbados quanto a ditatura militar de sua época. Foram tempos inquietos e que contribuíram para desgastar o regime frente à opinião pública. Ao longo dos mais de vinte anos do período militar no Brasil, González reagiu de diversas formas às diferentes conjunturas. Todas elas expressavam, de alguma forma, a reação dos artistas ao regime e à censura como um todo e assim, construiu seu legado a toda a américa latina e assim como ao resto do mundo.
A sua produção nas de artes plásticas e visuais refletiu não só o inconformismo com o regime autoritário, como também as mudanças artísticas pelas quais o mundo passava na época e não aceitaria mais um padrão imposto sobre si e sobre sua terra novamente e cair e mais uma espiral de exigências e expectativas inalcançáveis para os artistas na modernidade. Se, durante os anos 1950, acontecia um otimismo da arte nacional em relação ao desenvolvimento do país, como nos mostram o concretismo e a construção de Brasília, nos anos de 1960, a palavra de ordem era romper com todo o “sistema”.
Porém, não existe a possibilidade de dizer que a artista latino-americana não tenha sido afetada pelo regime militar. A falta de liberdade para a produção artística e a desconstrução estrutural do sistema das artes plásticas, culminaram numa mudança profunda do significado da arte em todo o mundo. O chamado “fim das vanguardas” foi percebido mundialmente na década de 1970, mas seu efeito foi particular no Brasil, também por causa do período político e de sua cultura popular. Esta que foi efetivamente atingida pelas críticas e pensamentos reprimidos por tamanho período de tempo nas terras sul-americanas a ponto de uma explosão imaginativa e expressiva por todos os quatro cantos do mundo.
Por fim, ainda que carregada de preconceitos, o caráter conceitual e crítico da arte conceitual e moderna de Julieta González é o que mais atrai os novos artistas em formação para o novo e contemporâneo para essa cultura mantendo, inclusive, o seu crescimento. E o caráter estético do assunto cada vez mais abre mais e mais espaço para novas discussões e questionamentos que perduram desde a ditadura militar no Brasil e os que nasceram após o período histórico, também.
Os desencontros entre a sociedade e o Estado são um desafio permanente nos países da América Latina, no continente e nas ilhas e compartilham as mesmas dificuldades(se não, próximas) sociais e políticas. A participação dos artistas de todas as divisões do mundo da arte e os movimentos sociais preocupam-se seriamente com eles. Todos que se dedicam a pensar a democracia e a ditadura precisam também considerar esse desafio.
REFERÊNCIAS
GONZÁLEZ, Julieta; FERNÁNDEZ, Maria Emília. Memorias Del Subdesarrollo: el giro decolonial en la arte de América Latina, 1960-1985. [Catálogo da exposição]. Cidade do México: Fundação Jumex de Arte Contemporânea, 2018. Acesso em 2 de agosto. Disponível em: https://www.fundacionjumex.org/en/explora/publicaciones/78-memorias-del-subdesarrollo-el-giro-descolonial-en-el-arte-de-america-latina-1960-1985
Créditos na imagem: Reprodução. Lygia Pape: Espaço Imantado. In: Rede Furada. S.L.
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