HH Magazine
Proust Suburbano

Mudamos nós, estranhos nós.

Divertido ir ao shopping com meu pai. Estacionamento b, viu pai?

Anotei. Peguei o cartão que eu pagaria por estacionar o carro dele, como paguei.

Você quer comprar meias e lenços? Ele me perguntou. Sim, pai.

Não porque tenho 50. sempre gostei de meias sociais escuras. sempre usei lenço de pano. Acho que aprendi com você. Eu disse. É melhor. Ele pensou. Deu para ver em seu semblante.

Onde fica a loja que você quer? Não sei. Deve ser por aqui. Você quer almoçar, depois, no restaurante alemão do shopping, aquele que você gosta? Perguntei. Podemos. Ele respondeu.

Meias e lenços comprados, de quebra um pijama de inverno, que segundo meu pai não é tão de inverno assim, fomos almoçar.

Onde fica? Perto dos cinemas. Perto daquela megastore livraria.

Passamos por vários fast food, outros restaurantes e nada do alemão que queríamos.

Nossa, como isso aqui mudou! Exclamou meu pai. Há quanto tempo você não vinha aqui? Um ano e meio. Eu disse não ir lá há uns 5 anos. E tinha sido com ele para comprar meias e lenços, num dia em que ele quis ir em uma loja de sua operadora de telefone móvel.

Nossa, quanto tempo! Nossa como isso mudou! Dava para ver em seu rosto a angústia do passar do tempo. Seu olhar perdido por não acharmos o restaurante. Andávamos devagar, mas por dentro nosso ritmo era intenso.

Deve ser por aqui, por ali, por lá. Pergunta para aquela moça, sugeriu meu pai. Pergunta para esse rapaz, ele me disse.

Vamos ao balcão de informações? Onde fica? Não sei, pai. Sei que seu carro está parado no estacionamento b. na entrada/saída em que há aquela loja de operadora de telefones, e aquele restaurante besta, que tem uma coxinha cara, mas boa.

Quer almoçar em outro lugar? Tem fome? Perguntei. Não. Vamos no alemão. Eu gosto. Meu pai me disse.

Nossa como isso mudou! Olha, é ali. É aquele.

Pedimos um prato para dois, mas três comeriam perfeitamente. Até quatro. Bebemos um chopp escuro cada um  e dividimos uma água.

Meu pai separou o restante do prato, salsichas, bisteca defumada, repolho azedo, batatas e um naco de joelho de porco em duas marmitas. Uma para eu levar para casa.  Outra para ele levar para minha mãe.

Chamou o garçom e orientou a fazer as embalagens para viagem.

Quer café? Me perguntou. Sim. Quer aqui ou num quiosque? Aqui mesmo. Respondeu.

Pediu os expressos e a conta. Enquanto esperávamos os cafés chegarem, o fotografei com a câmera de meu celular. Ele gostou. Riu.

Hoje todo mundo fotografa tudo. Todo mundo se fotografa. Se não tirar fotografia parece que não viveu a experiência. Eu disse, quase traduzindo nossa angústia por isso.

Nossa como isso mudou! Divertido ir ao shopping com meu pai. Por momentos o vi muito vivo, muito contente, muito sorridente. E seu bom humor frente a tudo aquilo foi o mais gostoso. E o almoço foi delicioso, harmonioso.

Estacionamento b, onde fica? Do outro lado do shopping, na outra saída.

Nossa como isso mudou! Tudo muda tudo o tempo todo, mas certos hábitos como usar meias sociais escuras e lenços de pano parecem que nunca mudam, como certos pais e certos filhos.

O que muda é a tolerância, a paciência que nos ajeita, nos azeita, e faz de nós outros tantos aceites.

Divertido ir ao shopping com meu pai. Divertido usar meias sociais escuras e lenços de pano. Não fossem essas peças de vestuário masculino, hoje não teria almoçado com ele. E no restaurante alemão do shopping talvez nunca mais fosse.

Estacionamento b. Achamos. Achamos o carro dele. Nos achamos.

Nossa, como mudamos!

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Foto: Tácio Moreira/Metropress. Metro 1. 2019.

 

 

 

[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “156”][/authorbox]

Related posts

Recepções

Eduardo Sinkevisque
4 anos ago

Fazer diário de um diário – Incidentes de Roland Barthes

Eduardo Sinkevisque
4 anos ago

Chaveiro 19

Eduardo Sinkevisque
4 anos ago
Sair da versão mobile