Nos últimos trinta, quarenta anos, a historiografia brasileira vem se desenvolvendo rapidamente quando o assunto é o estudo de obras e trajetórias de mulheres artistas. Para este texto, falaremos um pouco sobre este panorama, e o que se desenha no âmbito das novas perspectivas para este tema de estudo e pesquisa. Em junho deste ano de 2022, tivemos a inauguração da exposição Mulheres artistas: nos salões e em toda parte, cuja curadoria é de Ana Paula Cavalcanti Simioni. A exposição marca novos olhares à medida em que propõe como objetivo algo além da visibilidade das obras e artistas; o modo como esta visibilidade é proposta é a chave da exposição curada por Simioni. Para uma melhor compreensão da reflexão que aqui propomos, deixarei o link para acesso ao catálogo da exposição ao final do texto.
A começar pelo título, a ideia de que a presença das mulheres estava restrita ao eixo ateliê/salão é um primeiro ponto problematizado pela curadora, e sobre o qual também já discutimos algumas vezes nesta coluna. É preciso incluir novas perguntas, tais como: o que mais faz uma artista além de pintar e expor obras? A própria exposição responde à pergunta, tendo como complementação o catálogo. A presença nos salões é apenas o ponto de partida da narrativa curatorial, assim como a problemática dos crivos de qualidade artística e suas relações com o conceito de gênero ao longo da História. Fortemente pautada na pesquisa acadêmica realizada por Simioni, a exposição tira as ideias dos papéis e as tornam acessíveis à fruição artística, acompanhada pelas perspicazes observações da socióloga. Tanto para quem já pesquisa quanto para quem deseja pesquisar sobre as mulheres artistas do Brasil, a exposição abre um leque de possibilidades, seja pelas presenças ou pelas ausências.
Artistas como Haydéa Santiago e Bellá Paes Leme, ainda pouco conhecidas pela sociedade em geral, são trazidas à vista do público com o cuidado da apresentação. Isto logo me lembrou o catálogo da exposição Contribuição da Mulher às Artes Plásticas, de 1960, que também analisamos por aqui. Em uma análise comparativa entre os dois catálogos, fica clara a diferença – e a importância desta diferença! – de abordagens acerca da temática. Se no primeiro tínhamos a intenção de se colocar em pauta as contribuições das mulheres à consolidação do campo artístico brasileiro andando ao lado de uma construção discursiva contraditória e sem embasamento histórico (apenas estatístico), a exposição Mulheres artistas: nos salões e em toda parte chega para contribuir no reparo desta falta. Diversas obras não conhecidas pelo grande público parecem ter finalmente sáido das “reservas técnicas” para ocupar o espaço.
As ausências revelam os próximos desafios; Abigail de Andrade, por exemplo, não chega a ser mencionada por Simioni, aspecto que pode ser justificado pela dificuldade de acesso às poucas obras de que temos conhecimento. No caso de Georgina de Albuquerque, permanece o recorte limitado ao fim da década de 1920, não sendo aprofundadas as realizações após este período. A expografia é intimista, acolhedora, acessível. A relação das mulheres com as academias de arte, um dos pontos mais fortes das pesquisas de Simioni, está bem apresentada tanto em textos como nas obras: a atenção aos rascunhos e estudos das artistas é relevante nesta busca por novas perspectivas de estudo, pois estamos falando de processos criativos em ação e, quem sabe, em diálogo.
Um dos detaques da exposição é Dorothy Bastos; a obra e trajetória da gravurista é relembrada colocando-se os pingos nos is; Simioni analisa com atenção o modo como a projeção de Dorothy no campo artístico foi desenvolvida e recebida e isto inclui a análise de críticas e outras documentações que atestassem a presença da artista em salões e outros eventos de arte. A questão da valoriazação da especificidade das obras de Dorothy, segundo a curadora da exposição, foram sobrepostas pela presença de um discurso que sugere dependência à uma figura ou discurso que parte do gênero masculino. Mesmo sendo constantemente mencionada dentre as maiores gravuristas brasileiras, Dorothy permaneceu sem o devido reconhecimento em vida. Aqui, há um outro cuidado tomado pela curadora ao qual precisamos nos voltar: a distância para com o vitimismo. Simioni dá uma rápida e prática solução à falta de reconhecimento de Dorothy ao dizer que sua trajetória “aguarda novos estudos e olhares.”
A narrativa da exposição gira em torno destas (novas) questões: não basta expor a obra com uma pequena descrição técnica ao lado, assim como não é o suficiente dissertar sobre a presença das mulheres nas artes de forma a querer atribuir-lhes um herói libertador ou um número dentre tantas estatísticas. A exposição Mulheres artistas: nos salões e em toda parte entende a atuação das mulheres como uma rede de trajetórias em diálogo, com homens ou mulheres, sem deixar de tratar com atenção seus traços individuais. Para futuras pesquisas e propostas de atividades de formação e estudo, a exposição nos convida a olhar com otimismo para novas possibilidades de apresentar estas trajetórias ao público, uma vez que serve também como chamado às grandes instituições culturais, como os museus. Repensar suas relações com a História da Arte e a perspectiva de gênero é uma pauta que vem sendo amplamente discutida por pesquisadores e pesquisadoras não apenas da História, como também da Sociologia, Museologia, Antropologia, Artes Plásticas e tantas outras áreas do conhecimento. Diferentes vertentes artísticas também vêm sendo objeto de atenção em pesquisas, além da arte acadêmica: arte popular, de rua, afro ou originária. Faltam apenas as oportunidades para que estas Histórias sejam apresentadas ou reapresentadas à sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS
Mulheres artistas: nos Salões e em toda parte. Arte132. Catálogo de exposição. Disponível em: https://arte132.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Arte132_Mulheres_Eng.pdf
Créditos na imagem: Dorothy Bastos – Composição. In: Arte e Antiguidades Leilões. São Paulo. Disponível em: https://www.arteeantiguidades.com.br/peca.asp?ID=5606421
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