(Para Jardelino Alves Teixeira)
Na sua terra, as pedras estavam por toda parte
Nos morros, nos caminhos, pedras nas mãos dos loucos
Pedra da Boca, da Baleia, Pedras de Ataléia
Pelotas de barro no estilingue dos meninos
Pedras crocantes escondidas no feijão mulatinho
Pedras preciosas nos brejos, nas catras, nas vitrinas
Águas marinhas, ametistas, cristais, turmalinas
Encantavam-lhe a geometria, as facetas, o lustro
Por isso quis ser lapidário
Aprendera o ofício em rapazote
Gostava de burilar, desgastar, brunir
Gostava de ouvir o zunido seco do esmeril
Era um homem-pedra, manso e servil
Um dia, em casa, no porão escuro
Tropeçou num calhau pontudo
Uma pedra estranha, disforme, furta-cor
Feia, por certo, mas era sua por direito
Deus lhe dera, achada não era roubada
Era uma pedra grande, mal lhe cabia na mão
Daria um jeito nela, ficaria tão formosa quanto as outras
Começou a trabalhar nela depois do expediente
Era de estrutura dura, geniosa, difícil de lapidar
Nas horas insones, debruçado sobre o esmeril
Via misturar-se ao pó que da pedra saía
Gotas, por vezes, jorros
De lágrimas
De suor
De sangue
Passaram-se semanas, meses, anos
A pedra nunca estava acabada
Pois além de muito rígida,
Sempre restava-lhe alguma imperfeição
Uma trinca, uma mancha, um carvão
O lapidário, insistente, trabalhava
Nas imperfeições que ia notando
Algumas das quais não vira antes
Quebrava, lapidava, burilava
As lágrimas e o suor, fluidos claros, não mais o incomodavam
Esmerilava, desgastava, brunia
O sangue, fluido escuro, já lhe enfeitava os olhos
Alguns laivos rubros já se incorporavam à pedra
Por fim, foi-lhe ficando aceitável, até bonita
Sim, olhando-a em conjunto, era vistosa
Olhava dentro dela e via seu rosto refletido
Via seus vincos, seus lentigos, sua assimetria
Conseguira eliminar muitas deformidades
Outras, teimosas, permaneciam. Aceitara-as
Via também as partes belas
Algumas naturais, outras por ele produzidas
Com seu trabalho meticuloso e paciente
Obtivera uma pedra diferente, ímpar, particular
Que, um dia, achara num tropeção
Que lhe falara sobre perseverança
Que lhe ensinara sobre a dor de viver
Que lhe falara sobre esperança
E que, agora, lhe adornava a lápide.
Crédito na imagem: Reprodução. Fotos: Chronosfer.
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Luciano Alberto De Castro
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Parabéns. Quantos histórias contadas através da poesia.