— Professora, é verdade que o pardal não é brasileiro?
— É verdade. O pardal não é uma ave nativa do Brasil. Ele foi trazido da Europa para o Rio de Janeiro no início do século XX.
Mariana já conhecia a história, perguntara apenas pra puxar assunto. Era uma moreninha espevitada, de olhos amendoados e cabelos negros, cortados na altura dos ombros. Tinha 15 anos, mas parecia ter 12 e era magrinha “igual a uma vareta”, diziam as colegas mais corpulentas. Mariana não se importava com a chacota. Sua cabecinha ainda não descobrira os prazeres do corpo.
— Eu gosto da sua curiosidade, Mariana. Acho que você vai ser cientista, hein? Mas por que essa pergunta agora, logo no começo da aula?
— É que tem um ali do lado de fora da janela, dona Berenice. Olha lá! Acho que é pardal mesmo, ou então tico-tico.
— Olha que bonitinho! É um pardal macho. Veja que ele tem uma mancha escura debaixo do bico. E você entende de passarinho, menina? Quem te falou que pardal parece com tico-tico?
— Na fazenda do meu avô tem muito tico-tico, professora. Aqui na cidade, nunca vi. Eu conheço pelo canto. O tico-tico faz eu vi, tio, tio, tio. O pardal faz só piu, piu, é um passarinho muito sem graça.
Dona Berenice arregalou os olhos com pasmosa surpresa — Essa menina é impressionante, murmurou baixinho.
— É isso mesmo, Mariana. São aves muito parecidas. Já que você tocou no assunto, tem uma história muito interessante sobre o pardal e o tico-tico, você já ouviu?
— Meu avô comentou alguma coisa comigo (de novo, fez-se de desentendida). Como foi mesmo essa história, professora?
— Dona Berenice, qual vai ser o tema da aula de hoje? — Interveio Jéssica, tentando encerrar o assunto das aves.
— Vamos estudar o capítulo 13, a República Velha. Mas olha que coincidência, Jéssica. A sua colega comentou um fato interessante que aconteceu justo nessa época, mais exatamente no Governo Rodrigues Alves.
— Essa história do pardal vai cair na prova, professora? Precisa tomar nota?
— Não, Gustavo. Não vai cair na prova e não precisa anotar. Eu estou apenas respondendo pra Mariana e aproveitando pra contextualizar o assunto no tema de hoje. Então, Mariana, e todos vocês, meninos: no governo do presidente Rodrigues Alves, Pereira Passos era prefeito do Rio de Janeiro e mandou trazer casais de pardais da Europa para a capital federal. A intenção era combater os mosquitos e também embelezar a capital com pássaros inteligentes e educados.
— Professora, os passarinhos que já existiam aqui no Brasil não comiam mosquitos?
— Boa pergunta, Gustavo. Não sabemos, mas provavelmente sim. Os pintassilgos, as cambaxirras e outros pássaros nativos deviam ter hábitos semelhantes aos pardais europeus.
— Como esses bichinhos chegaram aqui, dona Berenice? — Perguntou Jéssica, já se interessando pelo assunto.
— Vieram de navio, Jéssica.
— Coitados! Devem ter sofrido muito. Presos em gaiolas até cruzar esse oceano. E quando chegaram ao Brasil, devem ter estranhado esse calorão — compadeceu-se Jéssica.
— Coitados nada! Os pardais são enxeridos e arrogantes e tomaram o lugar dos tico-ticos que viviam em paz aqui no Brasil. — Arvorou-se Mariana.
— Hum, sabichona! Não diz besteira, garota. Você não estava lá pra saber e a professora não falou nada sobre isso — protestou Jéssica.
— Falou sim! A professora até me perguntou se eu conhecia a história. Aí, eu falei que conhecia por alto. Assim, eu tô supondo que pode ter acontecido uma rivalidade, uma disputa por território, sei la! Quem sou eu pra entender dessas coisas.
— Falsa! — balbuciou Jéssica, revirando os olhos com ar de impaciência.
— Tem razão, Mariana. Acabei me esquecendo do resto da história. Houve mesmo essa questão. Nos jornais do Rio, travou-se uma disputa histórica entre os dois pássaros. Havia os defensores do pardal, como o poeta Olavo Bilac, e os advogados do tico-tico, que lamentavam a sorte da avezinha nacional enxotada do seu habitat pelo intruso europeu. O tico-tico virou símbolo de brasilidade.
— Eu estou do lado do tico-tico — assumiu Mariana, o bichinho é tão dócil. Tadinho, deve ter sido enxotado pelo pardal, que além de não saber cantar parece ser muito arreliento. Meu avô não gosta de pardal. Disse que é uma praga e transmite até doenças.
— Pois eu acho o pardal muito simpático — retrucou Jéssica. — Ele não faz mal pra ninguém. Acho que ele nem queria vir pro Brasil. Foi capturado lá na sua terra e colocado à força num navio, igual aconteceu com os escravos.
— Na verdade, pessoal, não sabemos o que houve realmente. Talvez o pardal seja mais resistente e tenha se adaptado à vida nas cidades, e tenha obrigado o tico-tico a migrar para as áreas rurais. Hoje as duas espécies estão presentes no Brasil e são importantes para o nosso ecossistema.
— Professora, o pardal voou da janela — gritou Gustavo.
— Acho que até ele se cansou da história — sorriu dona Berenice. É um sinal pra voltarmos à aula. Meninos, abram o livro de História do Brasil na página 255.
— Posso ler, dona Berenice? — antecipou-se Mariana, levantando a mãozinha direita.
— Essa garota se acha — disse Jéssica, baixinho, enquanto abria o livro e olhava pela vidraça, procurando o pardalzinho na árvore ao lado.
Créditos da imagem: Pardal. Foto: Sharon Day/Shutterstock.com. Reprodução. Disponível em: https://www.infoescola.com/aves/pardal/
[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “224”][/authorbox]