Não bastava, Adriano, você ter sido um poeta e dos grandes? Tinha que morrer como um? Antes? Solitário? Em novembro?
De todas as imagens que eu poderia ter, de todas, está você cantando Janelas Abertas em pleno carnaval. E não basta essa dor. Teve a ironia estúpida dos insetos invadindo a casa: cupins, um besouro bobo e um vagalume morto. No dia da República. Não basta a ironia igualmente estúpida de novembro adentro ter sido seu último poema publicado aqui.
Eu fico com a recusa de pisar em Ouro Preto e não te ver num bar qualquer.
Eu fico com a dúvida sobre como morre um ateu.
Eu tenho a camisa manchada daquele disco de 1972 que você fez chegar a mim.
Em maio, talvez você não saiba, o Abreu sonhou. Estava dentro de uma cova avançada. O solo cheio de seixos, como um leito de um antigo rio. Solitário na tarefa árdua de enterrar um amigo, cavava o túmulo perpendicular a uma estrada. Ele tem um pano amarrado na cabeça, sem camisa, todo coberto de pó branco e suor. No sonho analisa com cuidado qual seria o melhor lado para deitar a cabeça do amigo morto. O amigo não era você. Não era não. Era. Eu sofri com o sonho. Pensei nele por dias. Por que eu não falei para ele contar o sonho bem alto até que seu efeito desaparecesse? Você não acredita nisso, eu sei. Eu imagino a dor dele ao te encontrar caído.
a morte nunca será minha – você escreveu em constatações tardias – o amor tampouco deixará de ser distribuído/de acordo com as demandas do mercado. Que diabos. Você sugeriu para acompanhar o poema o Auto-Retrato Depois da Gripe Espanhola (1919) de Edvard Munch.
A morte nunca será sua. O amor tampouco deixará de ser distribuído. Na minha boca, tua poesia vive.
Vou rezar o terço da sua avó e oferecer para sua alma. Não me importa seu ceticismo.
E também não importa a aposta perdida. Janelas Abertas será sempre uma canção do Chico que Caetano fez por acidente: “Até que a plenitude e a morte coincidissem um dia/O que aconteceria de qualquer jeito/ Mas eu prefiro abrir as janelas/ Pra que entrem todos os insetos”.
Descanse em paz, meu amigo!
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Adriano Menezes é poeta e professor de filosofia. Boêmio. Amava Ouro Preto. Seu último livro, Lugar errado, foi publicado, primeiramente, aqui na HHMagazine.
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Imagem: O bar onde gostava de ficar. Fotografia dele no Instagram.
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