para Alcides Villaça
A personagem do dia, prato do dia, matéria de maledicência, é uma leitora do acervo geral da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Trata-se de uma mulher de estatura mediana, óculos do tipo fundo de garrafa, lenço cor-de-rosa na cabeça à moda das lavadeiras.
Expressão esquecida, distraída, mas tensa ela tem.
Segundo o bibliotecário, ela cheira mal, fede mesmo. Não me aproximei dela. Muito pelo contrário, mantive certa distância à maneira de Brecht.
A mulher me fez lembrar aquela personagem do filme O Leitor. Aquela que não sabia ler, mas era doida por leitura. Seu amante era quem lia para ela. Lia de tudo que havia para ler, sem saber que ela era analfabeta.
A leitora, persona de hoje, me pareceu perdida na biblioteca, pouco familiarizada com o sítio, embora fosse useira e vezeira do lugar, segundo testemunha.
A mulher parecia não estar à vontade no acervo. Segundo o bibliotecário, ela sempre solicita que preencham para ela suas requisições de obras.
O bibliotecário me disse:
– Ela sabe preencher, pô! Por que quer que façam isso para ela? Eu perdi a paciência com ela.
Eu, muito paciente, percebi que no setor de obras gerais tenho sido muito bem tratado. E trato bem quem comigo interage. Sinto que mobilizo o bibliotecário para buscas para mim, comigo. Ele tem sido didático. Ele parece ter prazer em me ensinar e em desvendar os pequenos grandes mistérios da biblioteca.
Eram, enquanto escrevia isto, dois de fevereiro. Chovia lá fora. E aqui dentro o desejo de que dia seis chegasse para beijar quem amo só fazia aumentar.
A persona do dia é uma leitora à procura de um autor. Um autor à procura dela. Um lenço rosa na cabeça. Uma guirlanda de flores para adornar à vera. Rosas de partes do corpo para composições na pele clara. Uma brancura de alvura clara. Uma não-donzela, suas sardas nas minhas e as peles em festa.
Havia uma mulher que na trama do tecido, em texto, com outra foi fundida, porém não confundida.
Eram dois de fevereiro e eu apenas desejava quem amava, à vera. A leitora mal falada pelo bibliotecário, ele não sabia, parecia Orides Fontela.
Créditos na imagem: Divulgação. Primeiro mundo: registro de marcas
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