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Quantas avenidas nos atravessam?

 

 “Uma mulher negra e lésbica não escolhe sofrer racismo hoje e misoginia ou LGBTfobia amanhã.”

 

Quantas avenidas te atravessam? Em algum momento você já se perguntou quais as identidades que te formam ou quais as opressões que te atingem? E quais as opressões que atingem os seus pares?

Em 1976, cinco mulheres negras ingressaram com uma ação contra uma das maiores montadoras de carros dos Estados Unidos, a General Motors. A alegação: discriminação racial e de Gênero. O tribunal que analisou o caso considerou a acusação inconsistente. Afinal como poderia ser fundamentada, se diversos negros eram vistos trabalhando nas linhas de montagem, e mulheres também estavam lá, trabalhando nos diversos escritórios da empresa como secretárias?

A corte, entretanto, não considerou um grande fator nesta equação: todos os negros que trabalhavam na fábrica eram homens, e todas as mulheres eram brancas.

E assim, Emma DeGranffenreid, umas destas cinco mulheres, apontou a necessidade de tratarem a alegação, não como fatos isolados, mas como um ponto único de análise, uma intersecção!

Interseccionalidade, termo difundido por Kemberlé Crenshaw em 1989, é um conceito que caracteriza a confluência de identidades sociais, exemplificando que uma mulher negra e lésbica não escolhe sofrer racismo hoje e misoginia ou LGBTfobia amanhã. Essas violências se articulam de forma a designar uma presença indesejada politicamente. Carla Akotirene, uma das maiores pensadoras brasileiras da atualidade, descreve o pensamento interseccional como forma de entender a “colisão entre avenidas identitárias que promovem barreiras” (AKOTIRENE, 2021, p. 64). De forma mais simples: por meio da interseccionalidade nós compreendemos que a dor causada pelas discriminações — raciais, sexistas, capacitistas, homotransfóbicas, dentre outras — acontecem de formas diversas e simultâneas.

A interseccionalidade é a ferramenta que surge com base nas grandes pensadoras negras para nos permitir entender que toda discriminação precisa ser nomeada, entendida e combatida, evitando, assim, a equiparação das causas e os esvaziamentos das pautas, mas permitindo a luta pelas demandas de cada grupo.

Apesar de todos nós buscarmos a igualdade, compreendo que essa investigação se torna mais efetiva quando entendermos a interseccionalidade enquanto ferramenta de percepção dessas avenidas identitárias, isto é, como lente que nos permite perceber nossas localizações diante dos outros, bem como as encruzilhadas que nos atravessam. Dessa forma, nós saberemos como combater toda e qualquer segregação.

Toda violência precisa ser combatida individualmente, enquanto tecnologia de opressão, e coletivamente enquanto responsabilidade contra-hegemônica. Ao enxergarmos essas interseccionalidades entendemos que a luta contra as discriminações, sejam elas quais forem, são autênticas e nos afetam no momento que atingem e oprimem outras comunidades e grupos aos quais não necessariamente estejamos inseridos. Essa é a principal forma de atingirmos nosso objetivo de igualdade!

Entender que a interseccionalidade não se trata de equidade de causas, mas sim o combate a toda forma de segregação, é respeitar suas origens nas lutas de mulheres negras como: Audre Lorde, Patrícia Hill Collins, bell hooks e Carla Akotirene, respeitando o legado da produção de conhecimento de tantas feministas negras.

Por isso, nesse mês da Consciência Negra, reflita sobre as encruzilhadas que te atravessam, mas, principalmente, se importe com as encruzilhadas que atravessam as pessoas ao seu redor, em um pensamento que possa, quem sabe, construir o respeito às identidades individuais e coletivas.

Para terminar, deixo aqui um pensamento do intelectual negro Thiago Teixeira: é “preciso que todas, todos e todes se engajem em processos de insurgência que combatam o racismo, a misoginia a LGBTfobia e as demais clivagens que suprimem a existências dos sujeitos que são sequestrados de sua dignidade em nome de um processo normativo perverso e sedento de sangue” (TEIXEIRA, 2021, p. 49)

 

 

 


REFERÊNCIAS

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2021.

TEIXEIRA, Thiago. Decolonizar valores: ética e diferença. Salvador: 2021.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Rompendo silêncios “Ser negra está na pele, ser lésbica você pode esconder ou não”, Partido dos Trabalhadores.

 

 

 

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