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Thiago Stadler

Sufocados

 

Sabe de uma coisa, Ernesto, a anatomia deles é contrária à ternura. Antes até pensava que o sorriso era a flor do rosto. Que no peito estremecia um coração que, tão logo pulsava, virava nome e desatava numa vida desentranhada. Achava que a liberdade, o medo e a solidão envelheciam tateadas pelo infinito, ali, no tempo que cabia em nós. Tempo. Palavra gananciosa. O mundo voa sem nós. E sem eles também, é claro. Não há antes nem depois. O agora tampouco. Depois que do ventre parti, Ernesto, o mundo, que de instantes se fazia, revelou-me que o inexistir também nasceu comigo. Mas isso não me impedia de voar ao fim da tarde. E o riso me acompanhava, sem concessão, sem rumo, apenas alimentado pelo ar. Esperançoso por inventar um mundo amanhado de ternura. Sem a decadência dos afetos e a prisão da indiferença. Para isso não era preciso de deus nenhum, Ernesto. O verbo que fora no início, acabou mal conjugado. Ao menos para nós. Acredito que há apenas o corpo. Desolado, agastado e atrevido. Condenado, é verdade, a se curar apenas na morte de tudo. Aí decretará eterna presença, ensimesmado, para conquistar tudo o que foi. Sabe, Ernesto, o universo todo é um espetáculo repleto de decadências. A decadência deveria nos obrigar à graciosidade. É preciso coragem para plantar begônias sem preces e nem por isso carentes de beleza. No fundo, qualquer rumo vale para quem não tem nenhum. Mas a alma acovarda o coração e, então, a vida sonhada sufoca a vida vivida. Sonhos que o corpo nunca tocará. Meras profecias. A alma anoréxica vence e serve um prato cheio de nada. Já estou ficando sem ar, Ernesto. Hão de nos olhar como seres humanos? A alma diz que sim, mas o corpo diz que não. Pudesse eu ser poeta ao oferecer o silêncio. Nem assim. Tenho que dar um adeus sem voz e sem desejo. As lágrimas, agora, farão companhia ao impossível.

 

 

 


Créditos na imagem: Adam Neate / Disponível em: https://www.instagram.com/adam_neate/?hl=pt-br

 

 

 

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