De noite, Eulália espiava os cantos do quarto e rezava para que dali não saísse algum demônio. A mãe sempre alertara que o pecado espreita nos locais menos prováveis. Logo, nem sua casa, cercada de crucifixos e quadros de Jesus, era terreno seguro. Não, pois não havia crucifixos e quadros de Jesus nos cantos da parede. Mal sabia que aquele pensamento recorrente no menino que carregou seus livros na saída do colégio era mais perigoso que qualquer aresta desprotegida da casa.

Entre os bêbados que se escoram nos muros do Mercado Municipal há um pacto tácito: ninguém rouba a caninha do colega, nem mesmo se ele tiver a esquecido num canto. Mesmo assim há aqueles que, por via das dúvidas, dormem abraçados à garrafa. Carijó era um deles. Tão acostumado ficou que continuava dormindo com ela mesmo vazia. Assim eu mato a saudade, dizia.

Cuidado com o vampiro, noticiava o jornal. “Para preocupação dos pais e das moças de boa família, há um depravado aproveitando-se do escuro do cinema para beijar e mordiscar o pescoço das espectadoras distraídas”. Gracinha sentiu uma repentina baforada quente em sua nuca ao terminar de ler a notícia e decidiu-se: hoje ela ia à matinê.

 

 

 


Créditos na imagem de capa:

Uma Semana de Bondade (1933), Max Ernst.