HH Magazine
Além do olhar: as artistas do Brasil

Uýra, Árvore que Anda

Uýra é uma entidade híbrida, cujo nome significa bicho que voa. Sua criadora é Emerson Pontes, que nasceu em Santarém (PA) e atualmente vive e trabalha em Manaus (AM). Mulher trans de origem indígena, possui formação acadêmica em Biologia e Ecologia, e atua como artista visual, pesquisadora e arte-educadora. As obras de Uýra tem no corpo seu principal suporte, e suas linguagens artísticas mais presentes são as performances e fotoperformances. Entrelaçando ancestralidades, ciências e formas artísticas, Uýra dá vida a trabalhos a partir da paisagem Cidade-Floresta. Esta união de perspectivas narra as histórias naturais e de humanidades não-hegemônicas contadas pelas obras, como fala a artista em sua apresentação para o Prêmio Pipa:

 

(…) tanto a natureza ancestral, das coisas vivas em estado de liberdade quanto também dessa… do que a gente tem sido ensinado a entender como naturezas, essas paisagens de violências sociais e ambientais, heranças da colonização.

 

Para Uýra, a ancestralidade indígena traz o direito ao mistério, ao silêncio por parte da natureza enquanto sistema vivo, algo que vem sofrendo intervenções constantes e cada vez mais agressivas por parte da sociedade regida pelo curto-prazo. A paisagem Cidade-Floresta, nesse sentido, revela debates ainda pouco visibilizados na sociedade; a arte de Uýra me remeteu, à primeira vista, à importância do diálogo entre conhecimentos ancestrais e científicos que outros e outras artistas vêm desenvolvendo e, aprofundando o olhar, é possível identificar aspectos que assemelham ao que Dipesh Chakrabarty discute em O Clima da História. A história das matas e sua relação com a construção da memória ancestral indígena, contraposta às violências contemporâneas é a potência do trabalho da paraense; relembrar, reativar a natureza como protagonista de sua própria história e questionar as graves interferências humanas nesses processos.

Em meio a tantas reações às discussões sobre as mudanças climáticas identificadas nas últimas décadas, o historiador aponta para uma mudança no estado de espírito das análises após os anos 2000; a concordância quanto à ação humana ao ponto de nos tornar verdadeiros agentes geológicos, isto é, que interferem e desempenham considerável influência em processos naturais e que se relacionem à alteração das condições de existência humana na Terra. Chakrabarty chama a atenção para o lento encerramento das divisões entre a História Natural e a História Humana, e também para com outras áreas do conhecimento, como a própria Ecologia. Uma das preocupações centrais do autor é a dificuldade encontrada por historiadores e outros cientistas no que diz respeito ao alcance de uma sensibilidade histórica para pensar o futuro; a natureza de curto-prazo da sociedade moderna e pós-moderna promove uma série de ansiedades e incertezas que se revelam ao tentarmos vislumbrar um panorama com condições suficientes para as futuras gerações conseguirem viver e desenvolver suas atividades. A questão da coletividade humana permance pouco discutida quando o assunto é a interferência nos ambientes e suas consequências futuras.

As obras de Uýra trazem o conhecimento ancestral indígena brasileiro como chave para pensar e repensar as ações destrutivas na natureza. O passado é reativado em suas vozes e silêncios; cada um, com uma essência particular e rica a seu modo. É sobre compreender as linguagens da memória e da coexistência. Uýra é, em si, uma entidade que busca relembrar a sociedade brasileira de toda uma história natural e humana que se interliga, produz e desconstrói através do tempo. Em séries como Uýra Sodoma, Comer de Si Mesma e Fogo (2018), Elementar Lama (2017), A Última Floresta – Ensaio Terra Pelada (2019), Espíritos de Tudo Que Vive (2019) e Elementar – A Mata Te Se Come (2019) mostram e reforçam a vida e a complexidade das matas brasileiras pelo olhar de uma artista indígena contemporânea, cujas raízes ancestrais e diaspóricas, para além dos conhecimentos científicos, se tornam comunicadores de possibilidades positivas para o futuro, mas só se nos dispusermos a trabalhar coletivamente para tal.

 

 

 


REFERÊNCIAS:

Artista indígena Uýra apresenta performance inédita no MUPA. In: Plural. Acesso em 26 de setembro de 2022. Disponível em: https://www.plural.jor.br/noticias/cultura/uyra/

CHAKRABARTY, Dipesh. O clima da História: quatro teses. In: Sopro. Nº91, 2013. Acesso em 26 de setembro de 2022. Disponível em: http://www.culturaebarbarie.org/sopro/n91s.pdf

Uýra. In: 34ª Bienal de São Paulo. Acesso em 26 de setembro de 2022. Disponível em: http://34.bienal.org.br/artistas/8298

Uýra. In: Prêmio Pipa – A janela para a arte contemporânea brasileira. Acesso em 26 de setembro de 2022. Disponível em: https://www.premiopipa.com/uyra/

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução. Série Solo – Pussanga. In: Uýra. Prêmio Pipa – A janela para a arte contemporânea brasileira.

 

 

 

[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE A AUTORA” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “307”][/authorbox]

Related posts

Quando o silêncio fala

Paula de Souza Ribeiro
2 anos ago

Caminhando com Lygia Clark

Paula de Souza Ribeiro
2 anos ago

Torso/ Ritmo e a pluralidade discursiva em Anita Malfatti

Paula de Souza Ribeiro
2 anos ago
Sair da versão mobile