O velho oeste de Red Dead Redemption 2 e o banditismo social

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Acompanhe o seguinte cenário: aula sobre o Iluminismo para um 8º ano às 07:30. Imagens de Montesquieu, Voltaire, Rousseau, Locke e Diderot preparadas. Cada características desses filósofos na ponta da língua e já preparando um link para introduzir o liberalismo econômico de Adam Smith. Uau! Que interessante. De repente, uma mão levantada, você tem certeza que não é um pedido para ir ao banheiro ou beber água. O aluno entediado pergunta: “quando nós vamos ver sobre a Segunda Guerra Mundial?

É muito provável que todo professor de História já tenha passado por uma situação semelhante em sua carreira. Todas as vezes em que me via nessa “sinuca de bico” eu lançava um “por que?”. E 99,9% das vezes as respostas eram as mesmas: “Ah, quero ver ação, tiro, sangue…”. Esse interesse pela “ação” pode ser estendido a sextos e sétimos anos também e, pode ser facilmente traduzido para: “por favor, fale a minha língua”. Muito professores conseguem falar esse novo linguajar e preparar aulas extremamente interessantes e dinâmicas com diversos assuntos, mas, normalmente isso demora.

Há alguns anos que tenho trazido par minhas aulas de História ferramentas que buscam dinamizar e enriquecer os conteúdos abordados, tentando atrair de várias formas o interesse desses alunos por assuntos que estão longe de sua realidade ou, que para eles pode ser monótono. Músicas, games, HQ’s, séries, filmes, novelas, memes… tudo que faz parte dessa geração eu tento adaptar e usar como material de ensino.

Em uma turma de 9º ano notei que o conceito de banditismo social não tinha sido bem absorvido, por isso, levei para trabalhar com eles o game Red Dead Redemption 2. O jogo desenvolvido pela Rockstar Games se passa em 1899 e recria o famoso e hollywoodiano velho-oeste americano, focando na vida de Arthur Morgan e sua participação na gangue Van der Linde depois que um assalto a banco dá errado e passam ser perseguidos por agentes federais, caçadores de recompensa e gangues rivais. É você na pele de um Fora da Lei.

Mas como associá-lo ao banditismo social? Bom, segundo Eric Hobsbawm em seu livro Bandidos, o banditismo é um fenômeno universal, uma forma bastante primitiva de protesto social organizado, quando, segundo o historiador, o oprimido não consegue ter voz diante de uma sociedade desigual. Esta forma de protesto social aparece e ganha força em períodos de exploração, fome e guerras ou quando o capitalismo e suas evoluções transformam sociedades. O banditismo social se apresenta como uma forma de resistência aos ricos, aos opressores estrangeiros, às forças que de uma forma ou de outra destroem a ordem considerada tradicional, em condições extraordinariamente violentas, provocando notáveis mudanças em um espaço de tempo relativamente curto.

Em RDR2, a gangue Van der Linde é sua família, você precisa abastecê-la com munição, alimentos e remédios, é preciso fazer melhorias em seu acampamento com dinheiro obtido legalmente ou não. É preciso gastar o dinheiro que roubam, ou vender o resultado de seus saques. “A rigor, no mais simples dos casos, eles necessitam de muito pouca coisa […] e podem dar-se por satisfeitos por obtê-los em grandes quantidades e sem o esforço do homem comum” [1]. No game como na vida real, os bandidos são símbolos que atraem o interesse e admiração de muitos, podemos comparar sua gangue com os famosos Hurricane Bill, Jesse e Frank James, Billy The Kid, Butch Cassidy e tantos outros bandidos que viraram “celebridades” nos EUA.

Durante o final do século XIX tivemos vários acontecimentos no velho-oeste americano que são retratados no game. Guerras entre famílias, como o conflito entre, Grahams e Tewksburys (que no jogo ocorre entre Greys e Braithwaithes) assassinato de militares e civis, assaltos a trens, momentos históricos, como o direito ao voto para mulheres do Colorado (você realiza uma missão que faz referência a esse feito) e a descoberta do petróleo (em vários locais do mapa). A narrativa e os diálogos ironizam e problematizam as noções de “progresso” e “civilização”, fazendo várias críticas ao tratamento dado aos indígenas e criticando as fumaças pretas expelidas pelas chaminés das fábricas. Nas montanhas ou nas florestas, nos meios urbanos ou rurais, Arthur Morgan e o banditismo social desafiam a ordem econômica, social e política com seu bando de homens violentos e armados. Historicamente falando, mulheres eram raras nos bandos, mas, em RDR2 há uma variedade de personagens femininas muito importantes para o desenrolar da história, como Sadie Adler, que se cansa de ficar no acampamento e se impõe perante os homens para se tornar uma caçadora de recompensas e poder usar roupas, segundo a personagem, mais confortáveis (ela troca o vestido por roupas masculinas).

Como um fenômeno característico, o banditismo dificilmente existe fora de ordens socioeconômicas e políticas que não possam ser desafiadas. É interessante notar as opções dada ao jogador, poder seguir um caminho “honrado” ou um criminoso, que trará pesadas consequências: ser procurado. Ser perseguido por agentes federais é uma maldição no jogo que nega acesso a recursos básicos e pode fazer de você o alvo de ataques mortais da lei.

Minha intenção nesse texto não é defender nem avaliar se fulano foi herói ou vilão. O propósito aqui é apontar as semelhanças entre o banditismo social e esse fantástico game que é Read Dead Redemption 2.

 

 

 


REFERÊNCIAS

HOBSBAWM, Eric. Bandidos. São Paulo: Paz e Terra. 2010.

 

 

 


NOTAS

[1] HOBSBAWM, Eric. Bandidos. São Paulo: Paz e Terra. p. 111, 2010.

 

 

 


Créditos na imagem: Cena do jogo Red dead redemption.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Diogo Tomaz Pereira

Sou professor e mestre em História formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosto de escrever textos que associam a cultura pop às ciências humanas, pois acho uma excelente forma de atrair a atenção e o interesse de jovens.

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