ECO, Umberto. O fascismo eterno. Rio de Janeiro: Record, 2018.
Nos últimos tempos, o termo “fascismo” foi banalizado. Donald Trump, o histriônico presidente dos Estados Unidos, é assim denominado, o mesmo ocorrendo com seus discípulos da América Latina e Europa. Porém, quem afirma que o outro é fascista corre o risco de ser chamado de “comunista”. Essas duas acusações, além de serem depreciativas, pois remetem a formas de governo totalitários, aprisionam o debate público em um tempo histórico específico.
Quanto a isso, cabe lembrar que fascismo e comunismo são experiências históricas datadas. O primeiro movimento político foi derrotado na Segunda Guerra Mundial. Sua origem é italiana e, com forma e conteúdo específicos, existiu na Alemanha e em países invadidos por Hitler ou que contavam com seguidores do nazifascismo. Já o comunismo histórico tem marcos cronológicos específicos e, em certo sentido, ambíguos. O fim da União Soviética, em 1991, representou o fim do comunismo enquanto projeto político capaz de mobilizar grandes massas humanas. Esse projeto saiu do horizonte do futuro, apesar de haver países, como China, Cuba e Coréia do Norte, cujos governos são oficialmente comunistas.
Tente fazer uma passeata em defesa do comunismo e veja quantas pessoas aparecem! Se alguém observar gravações ou vídeos de campanhas eleitorais dos últimos trinta anos, verá o quão pouco o comunismo faz parte dos programas políticos. Dificilmente se ouvirá algum candidato de partido de esquerda, com viabilidade eleitoral, defendendo a “ditadura do proletariado”, a “coletivização dos campos” ou a “desapropriação dos meios de produção”.
Na atualidade, “ser de esquerda” é defender a “democracia”, a “igualdade de acesso à educação” ou o “direito de usufruir de liberdades individuais”. Em outras palavras, “ser de esquerda” é defender uma pauta progressista e avessa a totalitarismos.
Então, a questão que deve ser levantada é a de saber até que ponto a proliferação do uso do termo “fascista” contribui para enviesar nossa percepção, promovendo seu irmão gêmeo histórico: o comunismo. Seria o anticomunismo caricatural e patético que prolifera na atual sociedade brasileira um sintoma dessa incompreensão?!
O livro de Umberto Eco ajuda a superar esse impasse, fazendo uma distinção entre “fascismo histórico” e “fascismo eterno”, grafado como “ur-fascismo” e recorrendo ao uso psicanalítico da partícula “ur”, como originário ou primordial. Ao fazer isso, Eco avança uma definição de fascismo para além da experiência histórica europeia da primeira metade do século XX. Ciente dos riscos da generalização do termo, alerta: “Se pensarmos ainda nos governos totalitários que dominaram a Europa antes da Segunda Guerra Mundial, podemos dizer com tranquilidade que seria muito difícil que, em circunstâncias históricas tão diversas, retornassem sob a mesma forma.” (p. 22). Noutra passagem sublinha que os atuais partidos de direita têm “muito pouco a ver com o velho fascismo”. Nas versões atuais não aparecem, por exemplo, nem a vontade “imperialista de conquistar novas terras” nem o ideal de “uma nação inteira uniformizada pelas camisas negras”.
Umberto Eco também aponta diferenças entre fascismo e nazismo. Esse último tinha uma filosofia própria e um programa político. O fascismo italiano, por sua vez, caracterizava-se pela retórica e liturgia. A vacuidade dessa última ideologia a tornou mais plástica e capaz de se adaptar a diferentes situações. Nas palavras do autor, o fascismo era um “exemplo de desconjuntamento político e ideológico … uma confusão estruturada” (p. 39). Por isso, aceita-se frequentemente caracterizar Franco, ditador hipercatólico da Espanha, como “fascista” e não como “nazista”. O mesmo poderia ser afirmado a respeito de Salazar, ditador português, ou da incontável legião de ridículos tiranos da América Latina, frequentemente percebidos como fascistas e não como nazistas.
A partir dessa constatação, é possível avançar uma conceituação de fascismo, independente do período histórico, como uma forma de autoritarismo com tendências totalitárias. Umberto Eco fornece um roteiro para se identificar esse “fascismo eterno” ou “ur-fascismo”:
1 – Culto da tradição;
2 – Recusa da modernidade;
3- – Irracionalismo;
4 – Intolerância;
5 – Medo da diferença;
6 – Apelo ao sentimento de frustração;
7 – Nacionalismo retórico;
8 – Necessidade da existência de um inimigo;
9 – Culto à violência;
10 – Elitismo;
11 – Necessidade do herói salvador;
12 – Repressão sexual;
13 – Populismo;
14 – Hostilidade à cultura e à ciência.
Sobre cada item dessa lista, Eco avança dados e explicações. Eis aí um conjunto muito interessante de questões a ser discutido em sala de aula: Como os alunos compreendem esses itens? Quais governos podem ser definidos a partir dessa conceituação? O Brasil seria um desses casos? Em que medida o dia-a-dia dos alunos é afetado por esses itens, na escola ou fora dela?
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Renato Venancio
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História da Historiografia
História da Historiografia: International
Journal of Theory and History of Historiography
ISSN: 1983-9928
Qualis Periódiocos:
A1 História / A2 Filosofia
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Boa tarde.
Uma dúvida: estás características não são reservadas apenas ao fascismo, certo?
Seria qualquer tipo de ditadura? Da esquerda e da direita, certo?
São válidas somente para o fascismo. Mesmo as outras ditaduras de direita nem sempre têm estas características. No Brasil, por exemplo, a ditadura militar não era contra o conhecimento científico.
Mas citando o próprio Eco, o fas is o ne. sempre exibe todas essas características.
Citando o próprio Eco, o fascismo nem sempre exibe todas essas características.
Umberto Eco faz alguma menção à origem do prefixo “Ur”, seu significado?
… claro, para além do citado neste texto : “ur”, como originário ou primordial.
Eu parei em: “a questão que deve ser levantada é a de saber até que ponto a proliferação do uso do termo “fascista” contribui para enviesar nossa percepção, promovendo seu irmão gêmeo histórico: o comunismo.”
Esse texto não é sério, é só promoção de anticomunismo rasteiro.