Não sei o que em mim

Só quer me lembrar

Que um dia o céu reuniu-se à terra um instante por nós dois

Pouco antes do Ocidente se assombrar.

(Inverno, Adriana Calcanhotto e Antonio Cicero)

 

Sei que quando acordar

Escovar os dentes

E observar os primeiros raios de sol na sua janela azul

Eu terei ido embora para sempre

Eu serei só mais um sábado, ou uma madrugada de um sábado

Sei que você vai descer aquele morro

Vai observar todos esses casarões

Vai pensar no quão bonitos foram e são

E em como se perpetuam no tempo

Eu, por outro lado, serei uma ruína

Uma ruína daquela casa, daquele quarto, daquela cama

Uma ruína, nada mais

Talvez, uma lembrança minha permaneça, mas só talvez

Uma lembrança da minha timidez e do meu jeito desastrado

Em outra realidade, menos dura, quiçá, seríamos felizes, teríamos todo o tempo do mundo

Nós poderíamos nos amar

Mas sei que isso é impossível

Tristes trópicos

Tristes Minas

Tristes futuros-passados

Quando penso nisso, quando penso em você, eu choro

Eu choro, de raiva, de ansiedade, de angústia, de tristeza

Queria ler mil e uma coisas para você

Viver mil e umas noites com você

Usar seu boné vermelho do MST

Declamar poemas

Dividir frustrações e medos

Confidenciar segredos

Compartir sorrisos

Compartir o seu tempo, o nosso tempo

Mas só me resta o efêmero, o silício

Sei que quando amanhecer

Eu terei partido

Retorno…

Às ruínas.

 

 

 


Créditos da imagem da capa: Keversson William Silva Moura.