A epidemia do sangue azul: contemporaneidade e história na série “La Révolution”

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Epidemias e eventos catastróficos sempre foram temas de filmes, seriados, documentários e programas televisivos. No entanto, poucos de nós imaginou que presenciaria um acontecimento histórico como a pandemia de Covid-19. E, ao mesmo tempo em que nos sentimos exaustos, somos bombardeados por produções sobre o tema, de lives no Instagram e Facebook a livros, séries e filmes. Passado, presente e anseios para o futuro se mesclam num frenesi imenso de informações e esperança num amanhã melhor.

Surpreendentemente, tudo isso se condensa na série La Revolution, produção francesa, lançada pela Netflix em 2020. Como o próprio título sugere, a história tem como pano de fundo a Revolução Francesa de 1789, mais especificamente, as motivações para o início do processo revolucionário que tomou conta da França naquele período. No entanto, o que chama atenção do telespectador é o enfoque que a obra segue, apresentando o assassinato de jovens camponesas, por um canibal, como o estopim para a revolta popular.

Os acontecimentos históricos se mesclam e se confundem com uma história fantasiosa, voltado para o gênero do horror, com zumbis e uma epidemia que transforma o sangue das pessoas em tom azul. No seriado, os nobres franceses, cujos luxos dependem da exploração dos mais pobres, são infectados, propositalmente, com um vírus que os transformam em zumbis, seres quase imortais, com força, velocidade e olfato aguçados. Sedentos por carne humana, condes e condessas não se contentam com a exploração econômica, mas passam também a consumir a carne daqueles de quem já tiram tudo.

A analogia é bastante perspicaz: durante muito tempo os nobres na Europa eram considerados de “sangue azul”, distintos pelo nascimento, uma posição vitalícia, perpassada de geração a geração. A verdade é que havia um plano do rei, em Versailles para transformar seus nobres em imortais, subjugando, definitivamente, a população.

As mortes e a descoberta levam um grupo, intitulado “Irmandade”, a arquitetar uma revolta contra o condado no qual a história se passa. O objetivo é acabar com as mortes e conquistar a liberdade e um mínimo de dignidade para o povo. Em meio ao caos, um jovem médico decide estudar e buscar uma vacina que curasse a doença, evitando que ela se tornasse epidêmica, gerando uma carnificina.

É impossível assistir La Révolution e não lembrarmos da pandemia que acomete o mundo e a busca pela vacina e o retorno da normalidade. Joseph representa os incansáveis médicos, pesquisadores e cientistas que buscam saídas inteligentes, racionais e minimamente humanas para salvar a humanidade da catástrofe.

Ao mesmo tempo, os nobres contaminados com a “epidemia do sangue azul” representam o mais alto nível da crueldade humana, um retrato de uma sociedade onde os ricos sugam dos pobres e miseráveis tudo, inclusive o sangue que corre em suas veias.

A obra não se propõe a mostrar um retrato fiel da Revolução Francesa, sequer se pretende ser uma série histórica, embora também a seja. Aos amantes mais conservadores da história possa ser de mau gosto ou mesmo descabida com tantos anacronismos e fantasias. Mas talvez o trunfo de La Révolution seja apresentar as novas gerações um retrato da revolução em tons de contemporaneidade, numa linguagem didática.

Embora apresente o estopim da revolta como resultado de assassinatos praticado pelos mortos-vivos, a série não perde o conteúdo original do acontecimento histórico: revoluções são resultado do despertar de um povo oprimido, miserável, cuja vida já não tem mais valor. Uma luta entre ricos e pobres, nobres e camponeses, entre doença e cura, ciência e obscurantismo.

 

 

 


Créditos na imagem: cena da série ‘La Révolution’, da Netflix: Rebeldes em busca de mudanças //Divulgação. Revista Veja.

 

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Adriana Mendonça Cunha

Atualmente é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (PPGHCS/COC/Fiocruz). Bolsista de doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Mestra em Educação (2018) e Graduada em História (2015) pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq) e do Grupo de Pesquisa História das Práticas Educacionais (UNIT). Editora Executiva da revista eletrônica Boletim Historiar (Qualis A4) e integrante do comitê editorial do Boletim do Tempo Presente, periódicos científicos vinculados a Universidade Federal de Sergipe.

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