Agenor de Sena: um ilustrado em meio aos coronéis

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Piranga é um município da Zona da Mata Mineira, que, embora tenha sido um dos principais centros das Minas Colonial, acabou caindo no ostracismo. Piranga, no período colonial, era o ponto pelo qual ocorria a expansão da colonização para o leste mineiro. Com o uso mão de escravizada africana e do trabalho compulsório indígena, desenvolveu-se na região uma grande produção agrícola, que era exportada para a região mineradora e para outras capitanias (ANTUNES; SILVEIRA, 2019, p. 868-869). Se os estudos sobre o território durante a Colônia e o Império são frutíferos, a mesma situação não existe na República. Não existem estudos sobre Piranga na Primeira República (1889 – 1930)!

O historiador que se aventura nesse tema acaba ficando preso à memória/monumento histórico e aos conhecimentos memorialistas. Como bem demonstra Jacques Le Goff, os monumentos históricos, embora sejam representativos da memória coletiva, que sobreviveu ao tempo, são instrumentalizados. Representam um passado que se deseja lembrar, a partir de uma escolha, na maioria das vezes, política (LE GOFF, 1994). Sobre a Primeira República, dois nomes sobreviveram na memória popular. Coronel José Ildefonso da Silva e Coronel Amantino Ferreira Maciel monopolizaram durante três décadas a política piranguense. O primeiro governou o município entre 1912 e 1919, e o segundo, entre 1921 e 1930, sendo deposto pela Revolução de 1930, de Getúlio Vargas.

Esses coronéis poderosos, hoje dão nome às praças, escolas e ruas de Piranga. Esse pequeno ensaio, todavia, objetiva tratar de outro sujeito, que também foi Presidente da Câmara e Agente Executivo de Piranga: Agenor de Sena. Mesmo tendo governado em um dos contextos mais difíceis para o município, durante a Pandemia da Gripe Espanhola, seu nome foi esquecido, não prestando homenagem nem sequer a um beco da cidade. Teria governado entre o hiato de 1919 e 1920, e seu perfil era bem diferente de seu antecessor, José Ildefonso da Silva, e sucessor, Amantino Ferreira Maciel. Era um ilustrado em meio aos coronéis!

Agenor de Sena teria nascido em Peçanha, Minas Gerais, em 1886. Era filho do advogado Policarpo de Sena Normanha, e, talvez por influência do pai, dedicou-se desde cedo ao estudo do Direito. Realizou seus estudos secundários no Ginásio Mineiro, em Belo Horizonte, tendo se formado posteriormente pela Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais. Já na graduação demonstrou tino político, foi chefe da delegação mineira no I Congresso Brasileiro de Estudantes, ocorrido em São Paulo, em junho de 1909, e participou ativamente da campanha civilista, de Rui Barbosa, redigindo o Manifesto da Mocidade Acadêmica de Belo Horizonte (LANA, 2015).

Depois de formado, foi delegado em Rio Branco, Minas Gerais. Em seguida foi designado para o cargo de juiz municipal do termo de Piranga, locus de análise desse ensaio. Embrenhou-se na política piranguense e foi eleito vereador, presidente da Câmara e agente executivo municipal, entre 1919 e 1920 (LANA, 2015). O contexto de sua chegada ao executivo, coincide com o declínio do poder do Coronel José Ildefonso da Silva, importante fazendeiro e comerciante, que havia governado entre 1912 e 1919. Acabou saindo do poder executivo municipal depois de uma grande crise econômica e política, decorrente da Pandemia da Gripe Espanhola (NILO, 2018).

A gripe espanhola foi uma pandemia global que teria matado de 20 a 40 milhões de pessoas no mundo. A doença, hoje conhecida como influenza, teria chegado ao Brasil com a volta dos soldados brasileiros da 1ª Guerra Mundial, em setembro de 1918. A doença rapidamente se espalhou para o Rio de Janeiro, e para o restante do país. Embora tenha atingido mais brutalmente as camadas pobres da nação, também acometeu a elite e a classe média nacional. Rodrigues Alves, que foi o presidente da República entre 1902 e 1906, e tinha sido reeleito no pleito de 1918, também foi acometido pelo vírus, morrendo antes de assumir definitivamente o cargo (STARLING; SCHWARCZ, 2020).

A partir do registro de óbitos do Hospital São Vicente de Paula, de Piranga, é possível notar um exponencial aumento do número de mortos no município. Se em 1917 registaram-se 68 falecimentos, no ano seguinte, de estopim da doença, registaram-se 127 falecimentos. Um aumento de 86,36%. Já no ano seguinte, 1918, o número saltou para 131 falecimentos. Os números começaram a decair em 1920, com 93 falecimentos, mas mantiveram-se ainda altos, só estabilizando a partir de 1921. Vale ressaltar que os registros abarcam apenas a população urbana, do distrito-sede. Desconhece-se os mortos nas zonas rurais e distritos. Naquela época a população piranguense, segundo o Almanack Laemmert, era de 60 mil habitantes, com a maioria esmagadora não estando no distrito-sede.

Agenor de Sena foi obrigado a assumir nesse contexto de crise total. A falta de um arquivo municipal, ou de um museu em Piranga, tornam quase impossível achar documentos que descrevam as suas ações naquele contexto. O que se sabe é que a partir de 1920 iniciou-se um processo de modernização da infraestrutura piranguense, para impedir a proliferação de doenças, como ocorreu na Gripe Espanhola. Acredito, a partir de uma simples hipótese, ainda não comprovada, que esse movimento teria sido iniciado ainda na gestão de Agenor Sena, e teria sido levada a cabo durante o governo de seu sucessor, Coronel Amantino Ferreira Maciel, que governou de 1921 até 1930 (NILO, 2006).

Depois de sua empreitada em Piranga, Sena assumiu outros cargos no judiciário e exerceu também a advocacia. Não abandonou a política, tendo aderido em 1930 à Concentração Conservadora, apoiando Júlio Prestes no pleito daquele ano. Chegou a ser eleito deputado federal por Minas Gerais, assumindo mandato por poucos meses, sendo deposto pela Revolução de 1930. O governo provisório instaurado por Getúlio Vargas fechou o congresso e mudou as bases da Primeira República Brasileira. Desiludido, Sena abandonou a política, dedicando-se unicamente à advocacia. Faleceu em Belo Horizonte, em 1962 (LANA, 2015).

Agenor de Sena representou uma exceção na política piranguense, não tendo o mesmo perfil de seus antecessores. Não era um grande latifundiário, e, sem dúvidas, não detinha o mesmo poder coercitivo de seu antecessor e sucessor no cargo de agente executivo. Sua memória, posterior a sua gestão, foi esmagada pela herança coronelista. Hoje, os coronéis marcam presença na memória histórica piranguense, e nos grandes monumentos para a perpetuação da memória. Não era necessariamente ilustrado, mas constituiu uma carreira invejável no Direito e possuía uma atuação ativa na política mineira, posição invejável, em comparação a seus opositores.

 

 

 

 


REFERÊNCIAS:

Almanaque Laemmertː Administrativo, Mercantil e Industrial. Rio de Janeiro: Em casa dos editores-proprietarios Eduardo e Henrique Laemmert, 1891-1940.

LANA, Vanessa. Agenor de Sena. In: ABREU, Alzira Alves de. Dicionário histórico-biográfico da Primeira República. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2015.

LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora Unicamp, 1994.

NILO, Marco de. Personagens Populares Piranguenses. Mariana: Dom Viçoso, 2018.

NILO, Marco de. Piranga: na guerra e na paz 3ª parte – Os comandantes (galeria dos dirigentes, presidentes de Câmara e prefeitos). Mariana: Dom Viçoso, 2006.

SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. A bailarina da morte: a gripe espanhola no Brasil. Companhia das Letras, 2020.

Registro de óbitos, século XX. Arquivo do Hospital S. Vicente de Paula. (Arquivo do Conhecimento Cláudio Manoel da Costa, Piranga). 2006.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Antiga Câmara de Vereadores de Piranga, fotografia de Patrício Aureliano Silva Carneiro.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Luiz Ricardo Resende Silva

Luiz R. R. Silva é escritor e graduando em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Tem interesse em História do Brasil e em Histórias das Áfricas, com foco em estudos decoloniais. É autor de "Minha flor africana e outros poemas sociais" (2021), lançado pela Drago Editorial, de "Desgovernal" (2022), lançado pela Editora Caravana, e "Concretude" (2022), lançado pela Toma aí um poema.

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