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Anatomia de lotação
Proust Suburbano

Anatomia de lotação 

 

Sob o signo do escapismo, e com lápis do Museu romântico da Quinta da Ribeirinha, escrevo. Escrevo sobre a poesia de Demétrio Panarotto de Lotação (Medusa, 2018). Sob o signo do escapismo por querer fugir não da poesia dele, nem por ser a poesia dele escapista, mas por querer escapar desses dias de pandemia.

Ao contrário do escapismo, em Lotação, os poemas são tudo menos escapistas. Antes pistas, condução. Eles levam o leitor à experiência crítica. São extremamente críticos e rítmicos.

Sob o signo do escapismo, por querer escapar das atuais opressões de pestes, vírus, doenças, vacinas e outras ideologias, escrevo. Não que a poesia de Demétrio Panarotto seja solução. Em qualidade, ela é antídoto, ao menos, do senso comum e de alienações.

Lotação divide-se em três partes. “Lotação”, “Poemapagão”, e “Menores”. A ideia de pensar a anatomia do livro, como eu proponho, no título de meu texto, vem, justamente, de observar que Lotação é um objeto-livro anatômico. Muitos livros o são, muitos, se não todos, tem em sua feitura alguma espécie de anatomia. Ocorre que, em Lotação, a ideia de anatomia é, a meu ver, central, fulcral. Não apenas porque é livro dividido em três partes, mas principalmente porque essas partes podem ser lidas como três corpos em disposição e em exposição.

Em “Lotação”, primeira parte do livro, tem-se poemas não numerados, mais narrativos, em uma cena única. Poemas que podem ser lidos como um poema apenas.

Em “Poemapagão”, dois signos aglutinados; poema e pagão formam mais três outros signos: apagão e pagão, do ato de apagar e do adjetivo (e ou substantivo: terceiro signo) pagão (de paganismo).

Há, nessa segunda parte do livro, poemas numerados (quase cantos), mais musicais em comparação aos poemas de “Lotação”.

Há também, em “Poemapagão” uma variação de cenas em contraste com a cena única de “Lotação”.

Em ambas essas duas primeiras partes, o poeta está colocado nas cenas. Seja na cena única de “Lotação”, seja nas cenas de “Poemapagão”. Ele é narrador, ele é sujeito, ele é observador. E são com olhos de vivacidade que se narram/descrevem as cenas.

É com agilidade e velocidade de propagação em ondas, em movimento andante de “Lotação”, que a poesia dessa primeira parte se faz. Ritmo quebrado, como sinal, aviso, denúncia no verso é o “há um homem chorando no lotação”, que se repete ao longo da viagem.

“Menores” é parte do livro a ocupar a segunda metade de Lotação. Poemas “Menores”, que de menores não têm nada. Talvez um ou outro lacunar, epigramático, breve.

Minha hipótese é que Demétrio Panarotto nomeia a terceira e última parte de Lotação de “Menores” por ironia.

Outra possibilidade é a de que frente às duas seções anteriores, de carga dramática maior, especialmente frente à carga dramática de “Lotação”, o poeta entenda os poemas finais como “menores”. Quase como sem unidade, esparsos, em comparação à unidade dos poemas das seções que os antecedem, porém não em grau menor de complexidade.

Em “Menores”, há poemas nomeados (tão complexos quanto os anteriores), depois um poema numerado em cantos (“Código de Barras”) e na sequência, até o fim, poemas nomeados. Tão críticos e rítmicos quanto os poemas de “Lotação” e de “Poemapagão”.

Se meu lápis, anotador da poesia de Demétrio Panarotto do livro Lotação, é de um museu romântico português, da cidade do Porto, a poesia anotada nada tem de museu, nem de romântica. É, antes, corpo vivo, voz andante, ondulante. É irônica exemplar, como em “Dois ovos (Comunicado)”, lírico-crítica como em “Buchada”, em “Cânone”, e em “Professor Horista”.

Sem escape, a poesia de Demétrio Panarotto, em Lotação, é ocupação de lugares, é colocação de lugares anatômicos nada comuns.

 

 

 


Créditos na imagem: Editora Medusa / Disponível em: https://editoramedusa.com.br/loja/lotacao/

 

 

 


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