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Aqui agora ninguém precisa de passado
Ensaios e opiniões

Aqui agora ninguém precisa de passado 

“O que me importa saber disso?” “O que eu tenho a ver com o que aconteceu há mil anos?” “Quero é saber do agora!”

Em tempos de ataques à educação pública, em tempos de saberes escolares questionados, é muito comum encontrar falas como essas, pronunciadas por alunos dentro de sala de aula. Enquanto professor de História, procuro cotidianamente registrar essas posturas em uma espécie de diário de campo, pois elas são ideias–representações elaboradas pelas juventudes para compreender melhor o mundo em que vivem e suas transformações.

Esses questionamentos frequentemente nos assustam, pois vêm acompanhados de perspectivas que revelam a descrença e a desilusão com a escola, com as disciplinas escolares, com os professores e até mesmo com o mundo em geral. É interessante notar que a desvalorização do conhecimento histórico escolar muitas vezes é acompanhada e alimentada por um repertório de ideias reforçadas fora da escola, nas convivências sociais, nas mídias etc.  O que podemos nos perguntar é sobre quais elementos reforçam essa ideia e a quem interessa a desvalorização do saber histórico e das ciências humanas?

Em sala de aula, a ideia de que a história não “serve pra nada” geralmente vem alimentada por uma perspectiva negativa sobre o que é o Brasil e seu trajeto histórico como nação. Nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, boa parte dos adolescentes partilham daquela representação de que o “Brasil não tem mais jeito”, de que “esse país está perdido”… Ou seja, o passado se esgota de valor porque não resolve nossos problemas, porque talvez existiria uma essência problemática, uma espécie de mal que estaria em nossas raízes.

Entrecruzando essas representações das juventudes, podemos notar que as mídias e redes sociais exercem um peso importante na construção desses pensamentos. Sobretudo porque a crise, a violência, a urgência dos nossos problemas sociais e “saídas milagrosas” – propostas por alguns atores políticos e midiáticos – reforçam a importância do agir no presente, descolado de qualquer outra reflexão ou tempo. “O que importa é o aqui e agora”.

O prejuízo dessas representações atinge não apenas a postura em sala de aula, não afeta somente a disciplina e as lições feitas (ou não feitas). Para além da apatia do aluno, a perspectiva de que a história e os usos do passado não nos interessam esvazia nossa compreensão mais profunda sobre quem somos, sobre como chegamos onde estamos. “Resolver o agora” é importante, sobretudo para jovens das periferias, sobretudo para famílias que precisam se desdobrar para garantir a sobrevivência mais imediata, o pão, o aluguel… E há agentes sociais, mercadológicos e políticos que usam isso a seu favor, para enfraquecer a escola pública como espaço de discussão, para incentivar o consumismo sem freio, para fortalecer a ignorância política e facilitar a manipulação, para incentivar o pessimismo e rebaixar as cobranças por justiça social. “Aqui agora nada nunca mudou”.

Recuperar sentidos e valores das ciências humanas exigirá considerarmos essas questões e esses conflitos, assim como compreendermos como pensam e como agem as juventudes, os trabalhadores, as pessoas “comuns” cuja sobrevivência é o principal desafio de existência. E talvez justamente nesse ponto – o desafio de sobreviver (e existir) – pode haver uma possibilidade de conexão dos tempos históricos e análises sociais, um ponto de partida para incentivar a curiosidade de saber mais do que o “agora”, de compreender melhor quem somos nós.

 

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