Autobiografia

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Enterra no silêncio da pedra essa intolerável coisa que é a infância, as vozes da noite no poço.

 

Apaga a infância isso que falta sempre à chamada e para sempre trocou já os desejos e os medos

Manuel Gusmão

 

 

 

No princípio chorei de olhos fechados, no princípio atingi o clímax pelo cacho do leite que diariamente arrancava com a boca no frondoso corpo da mulher operária. E depois, comecei a habitar os saberes das montanhas e dos líquidos campos das superfícies singulares dos retratos coloridos. Hoje tenho apenas 31 pedras atiradas no céu desta cidade. Onde vendo idades ao preço do tempo que me persegue pelas entranhas do hipotecado caminho da vida. No casco da mesma cidade jazem vários encontros das pedras vazias e dos rumores do mar. Nascem borboletas rastejantes nos ovos das acácias e morrem cobras voadoras em pleno decorrer do silêncio das estrelas engolidas pelo ventre maternal. Hoje voltei a sorrir de saudades, voltei a depositar lágrimas no corpo da lápide que responde pelo seu nome. Mas tenho de antemão que ela esta a enganar-me, pois a minha mãe já não reside nesta cidade que planta sorrisos quentes no horizonte florido de divindades e colhe-os de forma infame sem época, nem data, nem hora.com plumas de ânsia do tamanho do Everest 48 vezes reflectidas no zoológico espelho da dor.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Para refletir: O tempo. Blog Boa Vida.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Amosse Mucavele

Amosse Mucavele nasceu em 1987 em Maputo, Moçambique, onde vive. Poeta, curador de festivais literários em Moçambique e Portugal, jornalista cultural, coordenador do projeto de divulgação literária “Esculpindo a Palavra com a Língua”, foi chefe de redação de “Literatas – Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona”, diretor editorial do Jornal O Telégrafo, Editor Chefe do Jornal Cultural Debate, Editor de Cultura no Jornal ExpressoMoz, Colaborador do Jornal Cultura de Angola e Palavra Comum da Galiza – Espanha. É coordenador nacional da Wolrd Poetry Movement, membro do Conselho Editorial da Revista Mallarmargens (Brasil), da Academia de Letras de Teófilo Otoni (Brasil) e da Internacional Writers Association (Ohio – USA). Tem participado em inúmeros festivais literários em Angola, Portugal, Brasil, Argentina e Mexico. Com textos publicados em diversos jornais do mundo lusófono, publicou os livros: “A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua – Antologia Poética”, Revista Literatas, 2013 (coordenação) e “Geografia do Olhar: Ensaio Fotográfico Sobre a Cidade” (editora Vento de Fondo, Córdoba, Argentina, 2016), livro premiado como Livro do Ano do Festival Internacional de Poesia de Córdoba; no Brasil (Dulcineia Catadora Edições, Rio do Janeiro, 2016); em Moçambique (Cavalo do Mar, Maputo, 2017) e Pedagogia da Ausência (Alcance Editores, Maputo, 2020).

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