Cheio de Si

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Surpreendido pelo afago do vento, até pensou estar vivo

Os dias estão passando tão rápido, constatara em um lapso de lucidez

Quando percebera o tempo, estava novamente no mesmo lugar

Ouvindo os mesmos sons, ritmizava-se em rotinas

Observando o crescimento das plantas, acalmava-se em angústias

Planejando as mesmas coisas, ciclos de repetição inéditos

Acreditara no futuro, se iludira com a ordenação do caos

Conversando com as mesmas pessoas, confiara na memória

Assuntos diferentes, entonações e performances variadas

Sentira-se inventor do mesmo novo, do tudo vazio

Pensara ser a vida um looping, abrira a janela

Não, não era, nunca sequer fora vida, eram instantes

Enquanto a empurrara sob o fado da liberdade, ludibriara-se

O imaginário colonizado, nutrindo repetidas representações

Os mapas recaindo sobre tudo, cartografias dos corpos

Tão somente projeção, tão somente corpo, tão somente

De lá para o nada que aqui se faz tudo, existira

Nesse mundo que construíram, de suas convenções racionais

Viver tornara-se um labirinto, o corpo alinhado, curvara-se

Construir o mundo todo dia, um alento frente ao absurdo

Às vezes percebera o cheiro do mundo, fedia

Sentira o perfume da morte, respirara fundo e voltara aos sonhos

Vivendo circunscrito do que imaginara

Sonhos com o perfume da morte anunciando o libertador fim

O paraíso das não escolhas, o não lugar da frustração

Onde a liberdade não tem peso não há renúncias

Onde as escolhas são fluências a plenitude se presentifica

Nutrira-se de si durante vidas, vivera cheio de solidão

 

 

 


Créditos na imagem: Liw Sepol. Título: Dialética do Eu. Técnica: Aquarela sobre papel. Dimensões: A4 (210 mm de largura e 297 mm de altura.). Ano: 2019

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Will Lopes

Brasileiro, mineiro da Zona da Mata. Amante do mato e do hightech. Licenciado em história. Aventureiro das artes.

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