para o João

 

Luciano de Samósata narra que em certo banquete entrou um penetra. Ele teria ido apenas para comer. Adoniran Barbosa canta que foi convidado para um samba no Bixiga e que chegando lá havia uma briga. Ele e seus companheiros tinham ido lá pra comer. Sendo assim, esconderam-se embaixo das mesas e ficaram a ver as pizzas que avoavam. Num breque deste samba, Adoniran diz: calma, pessoal, a situação aqui está cínica. Os mais pior vai pras Crínicas.

Nunca saberemos se Adoniran era leitor de Luciano, se ouvira falar do polígrafo de Samósata, autor de discursos, diálogos etc. joco-sérios do século II de nossa Era.

Identifico aspectos semelhantes cínicos entre Luciano e Adoniran.

Ontem, fui a uma festa. Não era penetra, não fui lá só pra comer, nem saiu uma baita de uma briga. Fui convidado. Era eu conviva e comensal, entre outros, muitos outros amigos.

Foi um aniversário de 80 anos. O aniversariante de ontem era João Adolfo Hansen, leitor de Luciano, entre outros, muitos outros, imensos outros.

Se trago Luciano para cá com Adoniran Barbosa, é porque em meio a aperitivos, entrada, pratos principais, sobremesas, cafés, sorrisos, cumprimentos, enfim, em meio  a tanto afeto, tanta alegria e felicidade, tanta amizade, logo após a hora dos parabéns, logo  depois do apagar das velinhas, João Adolfo Hansen fez um discurso.

Não tenho condições de transcrever as palavras, meus ouvidos de lá para cá já se esqueceram de grande parte, embora eu tenha sido testemunha.

Atalho, resumo.

João – como passo a chamar o anfitrião, o aniversariante, pois a interlocução era (e é) familiar, amigável, afinal estávamos entre familiares e amigos – , iniciou seu discurso em chave joco-séria, emulando a si mesmo de outras ocasiões em que fora homenageado:

– Eu agradeço à minha mãe, a meu pai e aos maiôs Catalina.

O orador aniversariante, prossegui sua fala dizendo-se ridículo. Agradecido disse:

– Como diz Guimarães Rosa, eu sou um pobre sem Deus.

Já no fim de sua fala declarou, a semelhança de uma Miss Brasil:

– Não tenho palavras.

Nesse momento, virei-me para Celso Favaretto e disse: agora ele chegou ao Sublime. Celso me responde:

– Agora ele está no Sublime. Ele foi do Belo ao Sublime.

Eu diria que João passou por todos os gêneros, estilos e elocuções.

Doces apreciados, cafés ingeridos, era hora de muitos picarem a mula, pegarem o caminho da roça, irem embora. Uns saíram à francesa, outros nem por isso.

Ao me despedir de Marta e de João, Marta me conta que o irmão de João, que estivera naquela casa pela primeira vez, ao chegar teve uma memória olfativa. Lembrou-se de um lugar, no interior de São Paulo, onde eles, João e o irmão, brincavam.

O irmão de João disse ao chegar, segundo relato de Marta:

– Senti o cheiro da Gruta.

Imagina, leitor, o impacto desta declaração?

Não sou Miss, não atingi o Belo, mas posso dizer que esta crônica, deste cronista nada Mór, de palácio nenhum, chegou ao Sublime. E nada mais cabe declarar.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução. João Adolfo Hansen e Marcos Martinho. Foto: Eduardo Sinkevisque.

 

 

 

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