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Proust Suburbano

Conversa com uma gripe

Você, realmente, não é nada disso que diz, que digo. Eu nem posso te contar o que você é, nem como, de que modo é ou deixa de ser. Pena não poder. Melhor. Não tenho medo de entrar em Ana Cristina César, nem acho difícil sair. De modo geral, não me colo muito a poetas, mesmo os da prosa como Rosa e como Clarice que amo tanto. Ou Mário, de quem me sinto primo. Ou ainda de Oswald de quem me sinto filho. Entro e saio deles como bem entendo, na hora que quero.

Meu nariz escorre. Sobre isso não tenho controle. E o escorrer de um nariz é poesia mais forte que todas, até a de um importantíssimo queridíssimo Drummond não citado? Acha minha prosa muito a cara da Ana Cristina César?

Quero ler sem entender. Cansei de entendimentos. Você, gripe, causa uma chapação incomparável para fumantes. É um barato. E sou egoísta, ao menos em letras. Não tomo remédios, nem me cuido, não por manha, nem por drama vítima; puro egoísmo de estar doente. Assim, sem ser, nem fazer. Simplesmente.

Penso em zonas de luz de batik e de tai dai. Essa imagem não me sai, embora poema feito, embora poema pífio. Embora poema, digo:

– Zonas de luz do batik, zonas de luz do tai dai são respiros de tudo gripado tudo entupido. Zonas de luz do batik, zonas de luz do tai dai são lágrimas no escuro do mergulho nos 70 dos tecidos não tecidos tocados não tocados escorregados poemas pelos dedos. Zonas de luz do batik, zonas de luz do tai dai são leituras em silêncio de segredos, maus bocados desbocados sem bocas. Zonas de luz do batik, zonas de luz do tai dai são bagunças de cores, feixes fora de lugar, peixes fora d’água, fome que nunca acaba. Zonas de luz do batik, zonas de luz do tai dai são lugares-comuns a boiar na mancha do desenho do mapa feito pela astróloga. Zonas de luz do batik, zonas de luz do tai dai são meretrícios de linguagem. Méritos da consumação da pele vulnerável. São camadas, nervos, sentidos lidos nos seres talhados de desejos feitos de desenhos.

– Tá muito na cara quem tenho lido?

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Poesia Visual de Abílio José Santos. Disponível em: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_visual/abilio_jose_santos.html

 

 

 

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