Este texto é uma crônica sobre um mundo de coisas, um ensaio ou algo assim como um conto. O que conto, entretanto, é pseruñun[1].
Há algum tempo eu tive um encontro, e depois outro, e depois parte do céu caiu e eu senti no toque de ope[2] e no percurso sutil e cambaleante de um minúsculo ser, o lugar do meu ser. Um lugar no não lugar, talvez. Não como um atributo ontológico, ou coisa assim. Pois não falo de coisa, mas de gentes, de histórias, de mentiras, de lugares, dimensões, um mundo de coisas vivas, mal resolvidas, de não ditos que dizem mais que tudo, de sentidos. Depois de (re)conhecer o ambiente que me é hostil, eu senti o veneno. E, como parte da cura, eu vos escrevo…
*
Bom, primeiro é preciso abrir bem a boca para que analisem sua fala:
— Ah…
— Espera! Não, fecha. Diga: me-mó-ria.
— HISTÓRIA.
E o mundo cai.
*
Num instante, um trem forte como os ventos solares vem e chama de tosco o encanto em relação aos vãos ultracanonizados, e o pé de ego se contorce.
“Note o eco”, me disseram. E eu não o ressoei.
Eu disse. E, dito, a metáfora, a opacidade, o (des)entendimento, o alheamento, transmutou-se incontáveis vezes em cadeira, mesa, olhos, ouvidos e chão.
O mundo fica estranho. Choco, sem sentido. Vazio.
O ego regurgita o eco. E o silêncio, por mais que o negue, diz: amém e a nós todes.
O espírito treme e a voz pula para fora, como xaluh[3].
O pé de ego, conhecido por suas propriedades esterilizantes, diz: ”Eu penso. Eu sou. Eu digo. Eu interpreto. Eu digo o que (não) está em sua fala. Você não possui conhecimento”.
Uma cadeira toca o pé da outra, engolindo o chão, os rios que correm próximo aos antigos e provavelmente podres prédios, tremendo de nervoso; e o abismo, o vazio, a aceleração, o progresso; Ismos engolem e ainda agora se foliam em meio às contradições, achismos; a melancolia e o protagonismo do “mero brasileiro latinoamericano” que acha que acha que fala Tupi, que é meio índio[4], e que na primeira oportunidade faz questão de dizer “ain, lá fora, eu não sou branco”, em meio à monotonia, a monocromia, (e ao dê que às vezes é só colonial).
Vez ou outra, para florear — pois como corre os tempos, convém filantropar — virão “dar voz” àqueles outros; esses que, como alguns ainda resistem em pensar, se levantaram só agora, na “manhã dos tempos”, para cutucar o pé, o pé de ego, de raízes ocas e de odor estranho. Como grandes túmulos, suas raízes (ainda) estão entrelaçadas entre si como fio de anzol; o peixe é o próprio umbigo, não curado, molhado como a lona que fora de seu tempo foi guardada sem ser devidamente enxuta; que embolou de mofo e foi canonizada em nome da Memória do Mundo — só não dizem qual.
*
A repetência implica abstrair: nem memória, nem história. Ou melhor, uma Memória e uma História.
“Estamos no Ocidente.”
*
Talvez o sangue nos conduza a seguir o fluxo da vida, nossas memórias inscritas sejam sãs, e a escuta, a verdadeira mestra da vida. Talvez o pé de ego, por ter sido plantado em Outras terras, tenha se espalhado por demais e se tornado daninho, minando o equilíbrio do organismo Terra e dos sonhos das humanidades que viviam/vivem espalhadas pelo mundo. Talvez ecoar o ego seja a única fonte de nutrição de suas mudas mais malsãs de pensamento… Ou, talvez, esse saber, que mais parece não-saber, já tenha perdido a validade e o txaísmo[5] seja a única saída para que nos acheguemos aonde nos perdemos há muito tempo — nossa (pluri) humanidade. Porque o tempo mesmo já foi com Deus. E o que eu vi e talvez tu tenhas visto seja o fim. E outro. E outro. Só assim para o céu cair e a Terra dar conta do que lhe tira o que há de mais belo, que é a vida.
NOTAS:
[1] Do Kwaytikindo, língua Puri, ”verdadeiro”.
[2] Do Kwaytikindo, ”sol”.
[3] Do Kwaytikindo, ”sapo”.
[4] Termo considerado pejorativo. Que a pessoa que lê entenda seu uso.
[5] Sobre o txaísmo, leia O txaismo, os taxistas e os ismos (2018), de Jaider Esbell.
Créditos na imagem: Arquivo pessoal do autor.
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