Em discussões sobre educação já se tornou lugar-comum a afirmação: “se alguém dos séculos passados dormisse e fosse transportado para nossos dias, provavelmente entraria em choque com uma série de alterações de sua realidade, mas encontraria ambiente conhecido em uma sala de aula”.
De fato, o ambiente escolar modificou-se pouco ao longo do tempo. As É-Dubba mesopotâmicas são, provavelmente, algumas das mais antigas instituições de ensino de que temos conhecimento. Há 3000 AEC elas tinham princípios bastantes similares a pontos que ainda vigoram, como a transcrição de textos e a memorização (Even-Zohar, 1999, p. 29). Por outro lado, as instituições de ensino, desde a Grécia Antiga, fundaram-se, em algum nível, na construção de uma percepção crítica da realidade; prova disso seria o surgimento de parte significativa dos alicerces da filosofia ocidental na Escola de Atenas (Marrou, 1973, p. 66-72).
O conhecimento engrandece o espírito, conquanto o método de ensino afeta a nossa capacidade de aprendê-lo e aplicá-lo. Existem muitas formas de ensinar e aprender, desde teorias gerais, como as de Piaget, Vygotsky, Montessori e Freire, até métodos específicos para cada área, como a Didática da História.
Se é indiscutível as alterações vivenciadas atualmente pelos discentes do ensino fundamental e médio, fruto da aplicação desses métodos, ainda há um longo caminho a percorrer para que a educação superior, com suas raízes na escolástica — que se caracteriza pela leitura sistemática de textos clássicos e debates entre os integrantes, objetivando encontrar os principais argumentos e formular contra-argumentos rigorosos (Le Goff, 2006, p. 117–118) — se desvencilhe de múltiplos procedimentos ineficazes vinculados a contextos e momentos históricos outrem.
Isso posto, meu objetivo neste breve ensaio é apresentar duas alternativas para repensarmos o processo de avaliação na universidade. Sendo assim, não creio que deva haver a eliminação dos processos avaliativos, uma vez que, por meio deles, é possível realizar, por parte dos discentes, um “controle de qualidade” do conhecimento absorvido e, para os docentes, uma “análise da efetividade” de suas técnicas de ensino. Afinal, como nos lembra Kant (1999, p. 11, 15, 19 e 27),
O homem é a única criatura que precisa ser educada. (…) O homem não pode se tornar um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz (…). A educação é uma arte, cuja prática precisa ser aperfeiçoada por várias gerações. Cada geração, na posse dos conhecimentos das gerações precedentes, está sempre melhor amparada para exercer uma educação (…). Entretanto, não é suficiente treinar as crianças; urge que aprendam a pensar.
A educação deve ensinar, aos jovens historiadores, os caminhos de sua prática e, como “Há quatro séculos, no Ocidente, me parece que ‘fazer a história’ remete à escrita.” (Certeau, 1982, p. 17), é provável que esse seja um ponto a ser reconsiderado no processo avaliativo. Muitas provas, análises documentais, discussões em sala, leituras de documentos e exercícios de escrita poderiam gerar produções interessantes a serem publicadas desde o primeiro semestre. Existem, porém, alguns empecilhos.
O primeiro deles é a alta carga de trabalho exigida dos docentes que impediriam a orientação adequada para o melhoramento dos trabalhos; contudo, a seleção de trabalhos destacados de discentes interessados em publicar poderia ser um meio de menor labuta para o docente além de gerar o sentimento de recompensa que incentiva a maior aplicação da turma (grifa-se que a maioria das revistas não aceita coautoria com orientadores e que essa proposta não deve ser recebida como uma forma dos docentes realizarem publicações, exceto se o próprio tenha escrito partes do trabalho com os discentes em outra etapa).
A segunda problemática, debruça-se exatamente sobre isso: a publicação; certamente, há uma política institucional velada de “dúvida” quanto a validade e qualidade de publicações discentes da graduação. Essa percepção é uma bobagem sem tamanho, mais vale um graduando bem orientado e empenhado que um pós-graduando pouco engajado em sua pesquisa; além disso, a graduação deveria proporcionar uma introdução às dinâmicas do mundo editorial e a miríade de possibilidades de pesquisas que podem ser desenvolvidas posteriormente. Assim, discentes de graduação — com alguma liberdade de pesquisa sobre temas que lhe interessam, considerando os recortes estabelecidos pela disciplina, com uma orientação anterior sobre os pontos constituintes do trabalho acadêmico e um professor aberto e especializado — podem produzir ótimos artigos de síntese, revisão e apresentarem breves pesquisas sobre pontos pouco explorados (ou novos enfoques sobre algo) que podem ser desenvolvidas posteriormente.
Então, onde publicar? Os eventos locais, provavelmente, são as portas de entrada. O ritual de submeter um resumo, comunicar, debater e publicar um trabalho completo faz-se essencial para divulgação e compreensão das dinâmicas do campo histórico. Opções que requerem maior experiência são as revistas que aceitam graduandos, tais como a própria HH Magazine (UFOP, ideal para produções, por exemplo, decorrentes de provas, onde as respostas são mais curtas), a Revista de Discentes Ofícios de Clio (UFPel), Revista ORÉ (UNIRIO), Revista Bilros (UECE), Revista Eletrônica Discente Homos (UFCG), Revista Epígrafe (USP), Revista Cantareira (UFF), Revista Escrita da História (Independente), Literatura: teoría, historia, crítica (Universidad Nacional de Colômbia), entre tantas outras.
Certamente, alguns podem pensar: ‘Discentes de iniciação científica já realizam esse processo’. Sem embargo, também os próprios se beneficiariam, expandindo seus horizontes de temas e aumentando seu número de trabalhos ao aprenderem e pesquisarem sobre um tema ao longo do semestre e se aproveitarem de mais produções que não a de sua pesquisa principal; talvez, vislumbrem até mesmo uma nova paixão. Geralmente, os estudantes, inclusive, encontram acontecimentos, métodos ou teorias que lhes são úteis em suas ICs.
A segunda possibilidade avaliativa que poderia ser oferecida aos discentes seria a solicitação de um curso ou evento (com comprovação mediante um certificado e/ou relatórios). Novamente, a opção mais fácil é a prata da casa, eventos que ocorrem na própria universidade geralmente são gratuitos e de fácil acesso. Viabiliza-se também os cursos online, vantajosos pela não presencialidade, especialmente porque uma parcela considerável dos discentes trabalham. Algumas plataformas oferecem cursos, uns mais dinâmicos que outros, que podem agregar a formação. Para ser mais concreto, indico que busquem por cursos no sistema Apolo da USP, na Escola Virtual do Gov (cuja desvantagem é a ausência de vídeo-aulas), na Kultivi, Fundação Getúlio Vargas e na Coursera. Sublinha-se que, nesta última, os cursos são ministrados por algumas das melhores universidades do mundo, todavia a maioria deles é pago, sendo disponibilizada a opção de buscar um auxílio financeiro na plataforma. Este é analisado em até 15 dias, podendo zerar ou diminuir consideravelmente o valor do curso.
Proponho a maior recorrência dessas duas formas de avaliação, por considerá-las proveitosas para a formação histórica, o conhecimento das dinâmicas do campo e das instituições a ele vinculadas, e, além disso, para a melhoria dos currículos dos discentes. Estou ciente, ao levantar essas possibilidades, que existe uma diversidade de fisionomias universitárias e o docente tem autonomia para decidir qual melhor forma de averiguar a formação do estudante; além disso, não as indico em detrimento de nossos conhecidos amigos “seminário” e “prova”, considerando que o tempo foi o crivo que atestou suas eficácias, mas sim como um complemento a essas formas já conhecidas.
REFERÊNCIAS
CERTEAU, Michel de. A Escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
EVEN-Zohar, Itamar. “La literatura como bienes y como herramientas”. In: BRANCÓS, Antonio Monegal; MAQUEDA, Enric Bou; PRIETO, Dario Villanueva. Sin Fronteras: Ensayos de Literatura Comparada en Homenaje a Claudio Guillén. Madrid: Castalia, 1999, p. 27–36.
KANT, I. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
LE GOFF, Jacques. “O século XIII: A maturidade e seus problemas”. In: ______. Os intelectuais na Idade Média. 2º ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 93-151.
MARROU, Henri Irénée. “A antiga educação ateniense”. In: ______. História da Educação na Antiguidade. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1973, p. 66-80.
Créditos na imagem de capa: Escola de Atenas (1509-1510), Rafael Sanzio, Afresco, 500 x 700 cm, Vaticano
Guilherme Costa Silva
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