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Poesia

Embrenhamento

Disponível, sempre. De tão disponível, cansei-me, tornei-me antípoda. Mas não a tudo, apenas à aquela atenção não atenciosa, àquele olhar não olhado, ao toque não tocado, às palavras encarceradas, à importância do descaso. O punhal que vinha sendo esmurrado quebrou-se e, quando olhei para as mãos que nele se cortavam e sangravam, percebi que não mais as tinha. Desespero, as pernas não saberiam me dizer para onde correr uma vez que só conheciam um caminho. Diante da selva que tomou conta deste, não mais soube por onde ir.

Porém, trilhas abertas um dia não existiram, senão descobertas, criadas foram, desbravadas no peito, mas não por qualquer um, somente pelos abertos capazes de abraçar o traçado a ser realizado. Como desbravar se nas mãos que não existiam mais não pudera empunhar meu facão? Ahh, descobri que elas não são a única possibilidade e, quando sozinhas, incapazes de trilhar. Por meio do olhar atento, do olfato quando descobre um novo aroma, da atenção percebida e audição floreada também é possível que novos trajetos se façam, criados e cuidados. Que estanho! No lugar onde geralmente se encontram o que chamo de mãos sinto um leve formigamento que se intensifica a medida em que escrevo. Quando percebo, olhando e realmente reparando, vejo surgir o que mais faz tremer, flores, som de batuque e luz, não da que cega, mas da que ilumina.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Outras Palavras. Boaventura de Sousa Santos. Imagem: Edvard Munch, Melancolia (1891).

 

 

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