Farnese

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o assoalho e tudo o que ele engole.

estará nascida a árvore

que será este poema?

fenda cujo estofo é a gamela

atravessada pelo enchó

de pouca luz e sangue.

serei a véspera da família

pelos cantos da casa?

os dias que alimentam o porão de noites

ou o lápis de deus perscrutando

a corda certa não saberei nunca, embora

o barrote mensure a vida

feito o zahir de borges.

a cômoda gigante, a sala e o tio

– utensilio e tábua – a tia, a reza irada

entre vasilhames, gemidos e santos,

os paus de cada móvel e um relógio inútil

a percorrer as horas.

 

 

 


Crédito imagem:  Farnese de Andrade, O Anjo Anunciador, 1976. Fragmento de cabeça de anjo, ex-votos [seios], sobre placa de madeira sobre porta de móvel policromado, 68 x 36 x 20 cm. Foto: Sérgio Guerini.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Adriano Menezes

Autor dos livros Os Dias (Editora Scriptum, 2004), Via Expressa (Editoras Scriptum e Anome Livros, 2007), entre outros. Professor de Filosofia.

2 comments

  1. Marcelo Abreu 14 agosto, 2019 at 23:12 Responder

    Seu poema emula Farnese, transmuta a escultura atroz com a família mineira em palavra…que fará a escultura e depois o poema saído de A crônica da casa assassinada? Seu poema tem também essa genealogia, essa herança, filiação…vc, Farnese e Lúcio Cardoso: todos da mesma laia!

  2. Adriano Menezes 25 agosto, 2019 at 18:26 Responder

    Caro Marcelo Abreu, gosto de pensar que sou desta laia sim, mas apenas comi naquelas gamelas fora das minhas horas ordinárias. E não sei se digeri conforme deveria. Vontade de ambos e pretensão infantil minha – que autores! Que bom você pensar neles. Valeu, um abraço.

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