O Brasil Vermelho

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Vermelho

É a cor da brasa,

Que encandeia

E nomeia a nação.

 

É a cor do fogo,

Que arde na Amazônia

Em extinção.

É a cor do indígena

Que luta contra o garimpo.

É a cor dos Yanomami, dos Krenak,

Dos povos relegados de uma lei falha,

De um país que se diz verde.

 

É a cor que sai

Do corpo,

Depois do tiro

Da espingarda

De um latifundiário.

É a cor escorrida no chão

Quando a milícia, digo polícia,

Sobe o morro, mata meia dúzia e depois volta

Pra comer pastel na padaria.

 

Vermelho,

É a cor da madeira,

Que quase levou-se a extinção

 

Pela ganância de exploração.

Levou entre os troncos, nas embarcações,

Grãos de terra, e de areia

Pedras pequenas.

Levou pedaços de terra

Dessa ilha continental,

Grande ilha,

Cortada pelo Amazonas e Prata,

Dividido pelo Pantanal.

Levou-se aos lares de Lisboa:

É a cor dos tapetes, e das cortinas.

É as cadeiras lustrosas

De homens pomposos.

 

Vermelho é a cor do sangue

Que sai do corpo

Depois que se enfia a espada,

No lugar de catequizar com a cruz.

 

É a cor do sangue que caiu

Gota a gota

No porão do navio negreiro.

É a cor que escorre da ferida

Depois de ficar horas com a máscara.

É a cor do vergão

Marcado nas costas,

As chicotadas diárias

Para lembrar que animal não é gente.

É a chicotada por querer ser gente,

 

Por querer dançar, cantar, rezar,

Querer ser gente é errado

Quando se deve ter uma vida tão morta.

 

É a cor de guerreiro que morre

Depois de uma fuga pro quilombo.

É a ação destrutiva das forças armadas

De um império que se orgulha do vermelho

Da madeira,

Que se orgulho do vermelho,

Dos grãos de café maduro,

Colhidos sob o sol forte,

E com as mãos pretas no Vale do Paraíba.

 

Vermelho é a cor do hematoma

Depois de apanhar do jagunço

Na república dos oligarcas.

Depois de apanhar de cassetete,

Na ditadura militar:

Tudo fica vermelho

A pele, o chão.

Na cadeia de tortura

No interrogatório, de um desbrilhante Ustra.

Nas botas de um coronel,

Que manda centenas a guerra.

Nas barbas brancas de um imperador

Sujas com gotas de sangue

Depois de um genocídio paraguaio,

Naquela mistura de sangue e lama –

 

De morte e decomposição.

 

Quem dera saísse sangue,

Da lama, do barro

Que escorre pela montanha

Da ganância humana.

Valeu a vida daqueles que se foram?

Quem dera o sangue tivesse valido a pena

E levado a liberdade tão almejada

Dos los macaquitos1 que marcharam a Assunção.

 

Vermelho é a cor do Brasil,

Que feito brasa se incendeia,

E do escorrer do sangue se formou.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução. A primeira missa (1861), de Victor Meirelles.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Luiz Ricardo Resende Silva

Luiz R. R. Silva é escritor e graduando em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Tem interesse em História do Brasil e em Histórias das Áfricas, com foco em estudos decoloniais. É autor de "Minha flor africana e outros poemas sociais" (2021), lançado pela Drago Editorial, de "Desgovernal" (2022), lançado pela Editora Caravana, e "Concretude" (2022), lançado pela Toma aí um poema.

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