Valendo-se de um profícuo sentimento de Walter Benjamin, Byung-Chul Han, em No enxame: perspectivas do digital (2018), voltou-se para os modos naturalizados e reificados de recepção/leitura das informações ou das imagens atualmente. Segundo Han, Benjamin escreveu, em 1936, que as pessoas ficaram em choque quando assistiram os primeiros filmes no cinema. Uma reação diferente para aquele momento – acostumado, até então, a meditação contemplativa dirigida às pinturas, que exigem a demora hermenêutica para instituírem sentidos a quem as observa. O choque poderia, assim sendo, ser considerado uma forma de espanto. Nenhuma das disposições, em se tratando de imagens e de informações em mídias digitais, estariam mais disponíveis. Agora elas se enredariam aos horizontes do consumo, que não aceita reação, movimento que torna a comunicação letárgica. Han utiliza da “metáfora da defesa”, ou da “barreira imunológica”, que seria uma maneira de empreender algum tipo de reação às imagens ou informações. Mas ela estaria indisponível ou rareada, dado que seria um obstáculo para a comunicação digital. “Não há defesa imunológica, mas sim o curtir promove a comunicação” (HAN, 2018, p. 104). O resultado disso é a passividade irrefletida, ou sem defesa, ou naturalizada, ante o influxo informacional e imagético – condições para o consumo. Não haveria filtro, ponderação e reflexão perante esse fluxo; apenas a aceitação.
Há até mesmo um distúrbio psíquico derivado desse cenário na atualidade, a chamada Síndrome da Fadiga da Informação (SFI). Entre os sintomas encontramos déficit de atenção, inquietude generalizada, intranquilidade, falta de senso analítico e indisponibilidade de tomada de decisão. É um fenômeno psicológico, que de alguma maneira estaria relacionado com o excesso informativo, e imagético, e com o seu caráter dessincronizado. A incapacidade de análise privaria o pensamento e impossibilitaria formas de síntese. A capacidade analítica não seria outra coisa do que o gesto de saber separar as informações, de retirar delas algo que é considerado essencial. É uma capacidade, nessa esteira, de saber distinguir, logo, estando ligada à faculdade do julgar.
O fluxo informacional e imagético, atravessado por uma franca disposição de dissincronia, impediria tomadas de decisão, alimento para a ansiedade e para a angústia. “Mais informação não leva necessariamente a melhores decisões. Justamente devido à crescente massa de informação a faculdade do juízo definha hoje” (HAN, 2018, p. 105-106). O equívoco apresentado por Byung-Chul Han é de achar que o excesso de informações (muitas das quais sem verificação ou acareação) geraria, por conseguinte, um maior entendimento situacional, dos fatos e dos problemas. Seria fecundo, estando aí algo positivo na negatividade, ter em conta a capacidade de saber discernir.
Esse fenômeno leva ao esgotamento ou ao cansaço de informações. Assim, presenciamos fortes enfermidades psíquicas, como a depressão, que traria consigo não outra coisa do que uma disposição narcísica. Isso pode ser assimilado pela constante necessidade da autorreferenciação. O narcísico-depressivo, na interpretação do filósofo, reconheceria apenas o que lhe diz respeito, numa compulsão por aquilo em que se reconheceria. E, hoje, ele se reconheceria nas informações que produz e nas imagens-modelo que concebe. Há um processo agudo de dramatização da vida, na medida em que se torna necessário a atualização incessante da autoimagem, que não deve estar ancorada no real, mas em si mesmo e em sua idealização. Quando as suas informações e as suas imagens-modelo não são consumidas, deprimiria. Viveria atomizado – refém das próprias idealizações destituídas de facticidade. Por isso o estado agudo de não contentamento, sintoma da depressão. Han percebe isso na própria dinâmica das mídias digitais: “A nossa sociedade hoje se torna cada vez mais narcisista. Mídias sociais como o Twitter ou o Facebook acentuam esse desenvolvimento, pois elas são mídias narcisistas” (HAN, 2018, p. 107). O descontentamento do depressivo seria um sintoma da não durabilidade das coisas. A aceleração imóvel não permite sair do presentismo, tornado absoluto – ao mesmo tempo que, paradoxalmente, não é nada, posto que efêmero. De acordo com Byung-Chul Han (2018): No fim, ele se afoga em si mesmo, esgotado e cansado de si mesmo.
Voltando à Síndrome da Fadiga de Informação, que seria um impulsionador depressivo, além de impossibilitar a faculdade de julgamento, que é um modo de discernimento, ela impede, correlatamente, tomadas de responsabilidade, que trariam consigo movimentos mentais e temporais. A falta crônica da capacidade de tomar responsabilidade impede que se tenha como horizonte obrigações. É um gesto que se volta para o futuro, assim como a promessa e a confiança. Nas mídias digitais não existiria, para Han, compromisso com o futuro. Ali as pessoas cedem ao destempo. A presença prevalece e sua duração é curta. Essa indisponibilidade para com o futuro é decorrente do presentismo. Presente fugidio, que por isso deve ser constantemente presentificado. Como não dura, mostra-se imóvel. O presente é absoluto. São presentes, na verdade, atomizados. Há, então, a compulsão pelo presente que, em última medida, se desvanece, dado que a presença não teria duração, não permaneceria, não se enraizaria, não se abriria à demora, condição para o pensar e, mesmo, para a existência. No presentismo imperaria, então, o signo da atualização e da otimização. O presentismo total impediria o gesto direcionado ao futuro, que se enraíza no tempo, como a responsabilidade e a promessa. A presença não teria responsabilidade com o mundo humano, ela viveria no presente e desapareceria muito rápido, ao ponto de não durar e fazer, então, com que o futuro apareça como uma possibilidade outra.
Referências
HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas sobre o digital. Tradução de Lucas Machado. Petrópolis: Rio de Janeiro, 2018.