A questão relativa à limitação cronológica da Literatura Brasileira já foi bastante discutida pela Historiografia Literária, sem que se tenha chegado a um consenso. Um dos aspectos mais sensíveis dessa discussão diz respeito à aceitação ou recusa, pelos historiógrafos da literatura, da chamada Literatura de Informação, legada pelos cronistas que aqui estiveram principalmente ao longo do século XVI, já que, do século XVII em diante, ninguém duvida da existência de uma literatura essencialmente “nacional”, pelo menos a partir do advento da expressão barroca. Há quem diga, inclusive, como Alejo Carpentier (1990, p. 25), em um de seus Ensaios, que a América Latina “fue barroca desde siempre”.

Mas esta é uma outra his­tória…

Das posições que poderíamos chamar de “conservadoras”, na medida em que não reconhecem a participação da Literatura de Informação no âmbito de nossa Historiografia Literária (como Sílvio Romero, com sua História da Literatura Brasileira, ou José Veríssimo, com História da Literatura Brasileira), àquelas que poderíamos classificar como “flexíveis”, isto é, que aceitam, com reservas ou não, tal período literário (como Alfredo Bosi, com História Concisa da Literatura Brasileira, ou José Aderaldo Castello, com suas Manifestações Literárias do Período Colonial), o que resta é uma profunda perple­xidade do pesquisador que se volta ao assunto, devido, por um lado, à multiplicidade de opiniões e de teorias a esse respeito e, por outro lado, ao caráter incipiente dos estudos sobre o tema. Basta dizer que, até há pouco tempo, não foram muitos – como um Gilberto Freyre (1987) ou um Sérgio Buarque de Holanda (1976) – que realmente procuraram desvelar o período colonial brasileiro, dando-lhe a devida atenção, sobretudo nos seus primeiras séculos.

Por isso, parece-nos extremamente importante começar a sanar esta “lacuna” de nossa Historiografia Literária a partir de uma abordagem nem sempre privilegiada nas pesquisas acerca dos textos quinhentistas brasileiros: a análise estilística dos autores. Obviamente, o que se busca aqui, com tais observações, é tão somente sugerir algumas abordagens teóricas das obras mais representativas desse período, além de instigar even­tuais pesquisadores a futuros estudos sobre o assunto.

Assim, se analisarmos algumas das principais obras tidas como representantes da nossa Literatura de Infor­mação, perceberemos facilmente alguns traços estilísticos recorrentes, manifestos em todas elas. Po­der-se-ia apontar, como exemplo, a pre­valência de uma espécie de estilo histórico-documental, lar­gamente presente tanto em Pero Vaz Caminha (Carta) quanto em Pero Magalhães Gandavo (Tratado da Terra do Brasil e História da Pro­víncia da Santa Cruz), passando ainda por Fernão Cardim (Tratado da Terra e Gente do Brasil) e Gabriel Soares de Souza (Tratado Descritivo do Bra­sil em 1587).

Em todos eles, é, sem dúvida alguma, a descri­ção que prevalece, dotada de uma visível intenção documen­tal: o que se quer naquelas obras é, portanto, descrever e documentar tanto o espaço recém-achado (essa “terra mui rica”) quanto seu habitante (essa “gente bestial”). Outro traço facilmente verificável é a preocupação – e sua representação no texto – com uma es­critura realista, onde terra e gente sejam descritas da ma­neira mais verossímil possível e, em certa medida, pouco idealizada: “nada porei aqui, para embelezar nem para en­feitar, mais do que vi e me pareceu”, diz-nos Pero Vaz Caminha (1999, p. 11) em sua célebre Carta. Semelhante intenção aproxima-se do que afirma Gandavo (1980, p. 24), em seu Tratado da Terra do Brasil, ao se propor a escrever uma “historia tam verdadeira”. Evidentemente, tais considerações não passaram, como sugerimos, de intenções, que, muitas vezes, não se concretizaram, já que a regra parece ter sido a “idealização” da realidade descrita. Uma “idealização”, aliás, que deve muito pouco à história, aproximando-se mais, neste sentido, da literatura.

Se quisermos aprofundar as semelhanças entre estilos e intenções estilísticas dos autores tratados, devemos nos ater também em alguns outros recursos, como as figuras de linguagem. Nesse sentido, é facilmente verificável a ocorrência, em quase todas as obras citadas, de uma clara tendência à hi­pérbole, representadas pela recorrência de termos como “tão” e “muito” ou nas inumeráveis referências encomiásticas de Caminha à terra brasileira. Há que se ressaltar ainda outros recursos, como o da comparação, o que denota uma par­ticularidade muito interessante da nossa expressão colonial: a de que os primeiros cronista que para cá vie­ram tinham como referência uma realidade totalmente adversa à nossa – a realidade europeia e renascentista. Vieram, portanto, com uma mentalidade euro­peia e com ela procuraram descrever a nova terra, motivo pela qual esta lhes pareceu tão “maravilhosa”. Tendo como parâmetro, em última instância, a realidade portuguesa, não é de se espantar que tudo o que lhes fosse desconhecido causasse certo estranhamento, quando não uma assumida comoção (Caminha), uma ameaça, embora sanável, à imigração (Gandavo) ou uma ojeriza precon­ceituosa (Soares de Souza).

Por fim, cumpre ressaltar que, do ponto de vista sintático, é possível verificar recorrências na expressão de todos esses autores, sobretudo se observarmos com a devida atenção algumas cons­truções frásicas, donde se pode depreender, por exemplo, um largo emprego de períodos longos e subordinados, como a ca­racterizar toda a prosa da época.

A partir desses e de outros apontamentos que, facilmente, se poderão verificar com uma leitura mais atenta das obras mais re­presentativas do período, é possível traçar um quadro de ca­racterísticas estilísticas comuns a todos os autores, defender a ocorrência de um estilo próprio do período e, quiçá, propor, com mais autoridade, a existência ou não de uma tendência esté­tica surgida a partir do encontro entre duas mundividências distintas: a europeia, em especial a portuguesa, e a nativa americana.

E, portanto, apregoar – no âmbito de nossa Historiografia Literária – a existência ou não do que se convencionou chamar, provisoriamente, de Lite­ratura de Informação.

 

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