Luta e resistência na história dos trabalhadores: a greve em debate na EJA

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Este artigo tem o objetivo de discutir as possibilidades e os desafios encontrados no debate junto a uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) do município de Florianópolis, sobre o conceito de greve como um modo de manifestação dos trabalhadores na busca por direitos ao longo da história brasileira e o contexto dessas manifestações. No ano de 2018, realizei como graduando a disciplina “Estágio Supervisionado de História”, que teve como um dos seus objetivos identificar novas e variadas estratégias de ensino. O estágio ocorreu na E.B.M. Donícia Maria da Costa, núcleo III da EJA, Saco Grande II, Florianópolis, Santa Catarina, com a Orientação da Dr. Joana Vieira Borges[1], com a supervisão da Professora Rosemar Ucha Peres[2].

A Educação de Jovens e Adultos em Florianópolis tem por princípio educativo “ensinar pela pesquisa”, estimulando os estudantes à reflexão na vida e na realidade, realizando questionamentos, pensando e debatendo sobre questões do cotidiano, trabalhando em grupo e realizando a socialização do conhecimento obtido durante a passagem pela EJA, ou seja,

Trata-se da construção de um modelo de trabalho para o ensino fundamental em um processo coletivo: consultor, professores, equipe pedagógica, alunos se envolveram no executar e no pensar a pesquisa e seu funcionamento. Desse modo, podemos dizer que construímos uma prática social complexa, eliminando a tradicional dicotomia entre teoria e prática, entre os que pensam e os que executam. O resultado foi um modelo de trabalho ancorado na experiência dos professores participantes e, por isso mesmo, já testado em seu funcionamento. (PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS, 2008. P. 37)

Sua verdadeira importância está em capacitar os estudantes para alcançarem suas próprias conclusões com um pensamento crítico, fazendo uso das experiências dos alunos durante o período em que se encontra no núcleo, participando e socializando suas pesquisas com seus colegas.

De acordo com a nossa experiência e a nossa atuação enquanto professores/orientadores das pesquisas no núcleo consideramos válido tratar dos movimentos sociais enquanto um tema, debatendo sua historicidade por meio de algumas manifestações dos movimentos dos trabalhadores no Brasil e a construção de conhecimento crítico histórico. Assim reforçamos a necessidade do uso e construção dos conceitos de greve e movimento trabalhista, pois em nossa pesquisa bibliográfica encontramos poucas referências acerca do assunto com aplicação na EJA. Além do mais, percebemos que a maior parte dos estudantes não compreendiam a greve enquanto um direito dos trabalhadores ou mesmo as razões da paralisação dos professores da Prefeitura de Florianópolis[3]. Daí a dificuldade para reconhecerem sua legitimidade.

Para este relato, usaremos como fonte o projeto de ensino elaborado pela dupla de estagiários para a disciplina de Estágio Supervisionado de História I, realizado no primeiro semestre de 2018, assim como os materiais didáticos, além da oficina (seu planejamento, realização e análise), como também a nossa observação crítica sobre as atividades dos educandos e suas pesquisas (Construção e apresentação). Dialogamos nossa experiência na EJA juntamente com teóricos das áreas de História e do Movimento dos trabalhadores, assim como os debates sobre o ensino de história, estudos sobre a construção de conceitos históricos e seus contextos, como também sobre o ensino, estrutura, fundamentação e prática na EJA. Esperamos que o artigo sirva como referência e apoio para outros educadores e professores em formação que desejam explorar novas possibilidades no ensino de História a partir da construção de conceitos históricos na sala de aula.

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A situação que nos motivou a elaborar esse projeto de ensino foi a crítica realizada por um dos estudantes sobre o início da greve dos servidores municipais durante uma assembleia no auditório da escola na noite do dia 11 de abril, na qual a coordenadora do núcleo informou às turmas da unidade que as aulas estavam sendo suspensas. Percebemos que o estudante não compreendia nem a greve enquanto um direito dos trabalhadores, nem as razões da paralisação que se iniciava naquele mesmo dia. Acreditamos que alguns alunos não percebiam a greve como legítima em decorrência de não compreenderem que ela existia após uma mobilização de trabalhadores tal como eles, ela não era entendida como uma ferramenta de luta.

A ideia de explorar a greve como um conceito a ser destacado do tema “movimento de trabalhadores” também se amparou no interesse dos estudantes por debater questões relativas à legislação (direitos). Um grupo de estudantes tinha como uma de suas problemáticas questões legislativas, como por exemplo, “Por que algumas pessoas não cumprem as leis?”, “Por que a lei não é igual a todos?”, bem como outro grupo apresentou a indagação de “Quem construiu a Muralha da China e como foi essa relação (se foi pago algo em troca; se foi feita por escravos ou pessoas livres)?”. Os estudantes abordaram assuntos que iam ao encontro de questões relacionadas aos movimentos sociais e dos trabalhadores, em específico. Percebemos o interesse após uma oficina realizada pelo professor de História, João[4], a respeito do uso de diferentes fontes para as pesquisas. Os estudantes demonstraram maior disposição em debater documentos ligados à Lei Maria da Penha e aos direitos humanos, uma vez que havia certa aproximação destes sujeitos escolares e de suas demandas com aquelas pautas levantadas pelos mais diversos movimentos sociais ao longo da história

Assim, observamos a necessidade de tratar do tema de movimentos sociais, suas trajetórias e características, utilizando a construção do conceito de greve e movimento dos trabalhadores no ensino de história e na construção de conhecimento crítico histórico. Sempre buscamos instigar os estudantes a conhecer a historicidade e contextos dos movimentos sociais e compreender a importância dessa luta por garantia de direitos e melhorias de condição de vida. Visamos fomentar o senso crítico para que assim conseguissem problematizar esses movimentos sociais em suas atuações tanto no passado quanto no presente.

Atualmente, a preocupação com a importância do conhecimento histórico na formação intelectual do aluno faz com que um dos objetivos fundamentais do ensino seja o de desenvolver a compreensão histórica da realidade social. […] ensinar História é fazer o aluno compreender e explicar, historicamente, a realidade em que vive. (SCHMIDT; CAINELLI, 2009, p.53)

Desse modo, reforçamos a necessidade do uso do conceito de greve, pois em nossa pesquisa bibliográfica encontramos poucas referências acerca do assunto e a sua utilização no ensino de história na EJA.

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Juntamente com a coordenação, corpo docente e estudantes, julgamos importante debater e questionar as greves e seus contextos, perpassando os conceitos básicos dos movimentos trabalhistas, conceito de greve, CLT – Consolidação de Leis Trabalhistas (Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943) e o conceito de terceirização. Também problematizamos na realização da oficina os benefícios e direitos obtidos e garantidos através da greve como estratégia de luta, utilizada durante a história do Brasil. Para tanto, apresentamos como exemplo a Greve Geral de 1917 e a Greve dos Metalúrgicos do ABC Paulista em 1979, entre outras grandes greves ocorridas durante a história do Brasil.

O projeto de ensino elaborado no primeiro semestre de 2018 propôs a realização de uma oficina que ocorreu no auditório da EBM Donícia Maria da Costa, núcleo III da EJA, Saco Grande II, Florianópolis, e foi ministrada pelos estagiários Roque Lemos Junior e Vinicius Eduardo Queiroz, no período que compreendeu o equivalente a uma noite letiva dos educandos, ou seja, das 19:00 às 21:20h. O trabalho consistiu, inicialmente, em uma exposição do tema proposto que levou ao diálogo entre os educadores e educandos que, aos poucos, traziam seus saberes sobre os conteúdos destacados.

Nossa apresentação se fez com auxilio de projetor e slides com textos pequenos ou ainda com apenas imagens, pois nosso objetivo era que funcionassem como pontos de partida para o questionamento dos conteúdos. A intenção foi fazer com que os educandos não se preocupassem em copiar textos, mas que participassem da conversa e realizassem análises das imagens, considerando que muitas delas tinham elementos que ajudavam a contextualizar o movimento dos trabalhadores no Brasil e algumas de suas greves.

Essas greves sempre tiveram como pautas de luta manutenção e garantias de direitos. Um direito garantido pela Lei n° 7.783 de 28 de junho de 1989, lei que surgiu da mobilização popular da classe trabalhadora e que legitimou a greve como um direito, já que antes de 1989 existiam vários decretos que criminalizavam a greve. Somente em 1989 a greve foi legalizada e se tornou uma grande aliada do trabalhador, assim como o texto da Consolidação das Leis do Trabalho, aparato de regras que unificou toda a legislação trabalhista existente até aquele momento.

Assim como as greves citadas anteriormente, as greves da nossa contemporaneidade ainda possuem as mesmas pautas principais (manutenção e garantias de direitos), além de atualmente ter um grande embate contra a privatização (principalmente setores públicos) e a luta contra a retirada de direitos, a partir da reforma trabalhista imposta pelo governo Michel Temer em 2018.

Começamos nossa oficina buscando conhecer os saberes prévios dos estudantes sobre movimentos sociais, remetendo as oficinas já apresentadas pelos colegas, logo em seguida apresentamos nosso tema de trabalho e conceituamos os instrumentos de lutas dos trabalhadores. Após essa conceituação mostramos uma cena do filme “Tempos Modernos”[5], com o qual debatemos a relação do trabalhador e funcionário, conversamos então sobre as condições dos trabalhadores nas fábricas, como por exemplo, assédio com as mulheres e condições insalubres no local de trabalho. Inicialmente falamos sobre a formação do movimento operário, a partir do qual destacamos uma imagem[6] de uma greve na qual observamos a vestimenta e a união de trabalhadores (mulheres, homens e crianças). Em seguida partimos para a contextualização e a história do movimento trabalhista, analisando diversas greves com o passar do tempo. Com essas análises tentamos demonstrar que a luta dos trabalhadores é um movimento social que surgiu de uma necessidade histórica e socioeconômica e, que apesar de épocas diferentes, são atravessadas pela intenção: lutar por direitos e melhorias de vida.

Logo depois debatemos e analisamos como as lutas dos trabalhadores são reportadas pelas mídias. Buscando uma análise imparcial, observamos imagens de revistas de cunho sindical ou independentes e também revistas de grandes empresas, como o jornal “o Globo”. Assim nós começamos a falar sobre os sindicatos (Qual o seu papel? Para que serve? Como surgiu?…). Com essas questões tentamos mostrar que o trabalhador nunca estará sozinho e sempre poderá ter ajuda, e que o sindicato existe para auxiliar o trabalhador. Aproveitamos e conversamos sobre a CLT[7] e a sua contextualização e como os direitos foram conseguidos através de organização dos trabalhadores. Conversamos também sobre as mudanças ocorridas na CLT, pelo atual governo de Michel Temer, finalizando, com esta análise e reforçando a importância de uma luta continuada pelos direitos historicamente conquistados.

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Esse artigo deve sua elaboração ao auxílio de leituras importantes para a obtenção de saberes que foram mobilizados na prática desse projeto. Para tanto utilizamos como principais referências: “Ensinar História” (SCHMIDT; CAINELLI, 2004) no qual a professora Schmidt discute as possibilidades metodológicas de trabalharmos com a construção de conceitos históricos e o uso de fontes e diferentes linguagens em sala de aula. A autora considera o gesto de ensinar História como fazer o aluno compreender e explicar, historicamente, a realidade em que vive.  Já a obra “A histórica greve dos professores” (PEREIRA, 2011), nos permitiu mostrar que os direitos dos trabalhadores não têm garantia eternamente, seus diretos podem ser retirados ou modificados, o que exige a vigília e mobilização permanente. Também foi possível abordar o conceito de classe a partir da análise de pautas e suas convergências socioeconômicas. Nossa proposta também levou em consideração o texto “A pesquisa como princípio científico e educativo na EJA de Florianópolis”, para compreendermos o funcionamento da proposta educativa da EJA e, assim, elaborarmos melhor nosso estudo (MELARA; LEAL, 2012).Baseados nessas pesquisas, analisamos cada imagem selecionada e projetada nos slides apresentados aos educandos, buscando sempre entender com foi o contexto das greves referidas, sem perder de vista, os desafios presentes vividos pelos alunos e professores constitutivos daquela cultura escolar.

 

 

 


REFERÊNCIAS

BATALHA, Cláudio.“Identidade da classe operária no Brasil (1880-1920); Atipicidade ou legitimidade”?  Revista Brasileira de História, 12. 

BIONDI, Luigi.Entre Associações étnicas e de classe: os Processos de organização política e sindical dos trabalhadores italianos na cidade de São Paulo (1890-1920) Tese de Doutorado em História – Unicamp, Campinas. 2002.

FAUSTO, Boris.Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). Rio de Janeiro. São Paulo: Difel. 1977.

PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Estrutura, Funcionamento, Fundamentação e Prática na Educação de Jovens e Adultos. Florianópolis: Secretaria Municipal de Educação, 2008.

RIBEIRO, Marlene. Educação para a cidadania: questão colocada pelos movimentos sociais. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, nº 2, p. 113-128, jul./dez., 2002.

SCHERER-WARREN, Ilse. Movimentos sociais no Brasil Contemporâneo. História: Debates e Tendências, vol. 7, nº 1, p. 9-21, jan./jun. 2008.

SCHMIDT, Mª Auxiliadora. CAINELLI, Marlene. Ensinar História. 2. ed. –São Paulo: Scipione, 2009.(Coleção Pensamento e ação na sala de aula).

 

 

 


NOTAS

[1] Joana Vieira Borges – Possui graduação (UFSC, 2004), mestrado (UFSC, 2007) e doutorado (UFSC, 2013), É professora adjunta do Departamento de Metodologia de Ensino (MEN/CED) da Universidade Federal de Santa Catarina.

[2] Rosemar Ucha Peres – Representante na Concedente e Supervisora no local de Estágio

[3]Greve de professores da Prefeitura de Florianópolis durante o mês de abril (movimento iniciado em 11 de abril pelos servidores municipais de Florianópolis, ao qual se incluíram os professores) contou com diversas manifestações em apoio aos grevistas e contra um projeto de lei que autorizava a contratação de Organizações Sociais (OS) para administrar creches e Unidades de Pronto Socorro (UPA) do continente dessa cidade.

[4] João Lenon Siqueira Pereira – Graduado em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Cursa Mestrado em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Professor substituto na Prefeitura Municipal de Florianópolis. Atuou no EJA no ano de 2018.

[5]Tempos Modernos (Modern Times) é um filme de 1936 dos Estados Unidos do cineasta Charlie Chaplin, onde o seu famoso personagem “O Vagabundo” tenta sobreviver em meio ao mundo moderno e industrializado. Considerado uma forte crítica ao capitalismo e ao imperialismo, também uma crítica aos maus tratos que os empregados passaram a receber durante a Revolução Industrial.

[6]Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39740614. Acesso em 26/11/2018.

[7]A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é uma lei do Brasil referente ao direito do trabalho, foi criada através do Decreto-Lei n.º 5 452, de 1 de maio de 1943 e sancionada pelo então presidente, unificando toda legislação trabalhista e existente no Brasil.

 

 

 


Créditos na imagem:  Trabalhadores em frente a uma fábrica durante a Greve Geral de 1917. Arquivo Edgar Leuenroth/UNICAMP.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Roque Lemos Junior

Graduando de História na Universidade Federal de Santa Catarina.

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