A presença de um impulso erótico no ser humano – de acordo com Freud – fornece a Marcuse o fundamento da crença na possibilidade de libertação do que é oferecido como realidade opressiva, regida por repressão e recalque das pulsões. Por haver algo que pulsa em direção ao encontro com unidades de vida cada vez mais amplo – na direção oposta da dissolução dos laços afetivos –, Marcuse mantém-se fiel à ideia de uma subjetividade capaz de rebelar-se e sobreviver contra as forças de Thanatos.

Embora as condições materiais para libertação do ser humano da estrutura de dominação e exploração há muito em curso existam de fato, Marcuse percebe a crescente impotência e ineficácia da crítica às formas predominantes de organização da vida. As acusações são absorvidas, encontram aplausos e acolhimento em nichos de mercado no próprio sistema que acusam. A assimilação progressiva de qualquer posição contestadora leva a cultura a perceber a necessidade de quebrar o encanto produzido pela padronização e pelas falsas promessas de inclusão no poder vencedor.

Nessa luta, Marcuse aposta em Eros. A pulsão erótica preserva o conteúdo material da liberdade e se revolta contra as tentativas de submetê-la a formas compatíveis com a ordem repressora. Ainda que Eros seja apolítico, ou não imediatamente político, é fácil perceber sua comunhão com a mais radical das metas políticas, com a libertação.

De Platão a Bataille e além, as teorias sobre erotismo implicam sempre a ação de sair de si, o êxtase, a “mania” grega, o rompimento e a ultrapassagem do princípio de individuação. Nesse movimento, Eros encontra-se com a arte, também agente produtora de arrebatamento. E em Eros, arte e política encontram seu denominador comum, considera Marcuse.

“Hoje a luta pela vida, a luta por Eros, é a luta política”, escreve Marcuse (itálico dele), no Prefácio de 1966 a seu livro Eros e Civilização, mais de uma década depois da primeira publicação do texto. Pulando mais algumas décadas, no momento atual, quando a pandemia desmascara a necropolítica regente, parece ainda mais urgente lutar por e com Eros.

Alguns temas possíveis para contribuir com este número Das Questões:

– Possibilidades de relações entre Eros e Civilização, nas quais esta não esteja condenada à infelicidade da qual Freud considerava que não conseguiria escapar;

– Posições relativas à dimensão erótica da arte e à dimensão política de Eros, em Marcuse e em outros autores;

– A posição de Whitehead relativa à alteridade da arte como expressão da Grande Recusa, tornada pedra de toque na teoria crítica de Marcuse;

– Encontros entre poesia, literatura, e outras formas artísticas, com o desejo, as matrizes definidoras dos valores e do campo simbólico, considerando a potência erótica desses entrelaçamentos;

– As teorias sobre Eros; a teoria das pulsões em Freud; as teorias sobre o Amor em mitos, culturas arcaicas, não ocidentais, e além…

 

Como estímulo à participação nesse número Das Questões, enviamos um exemplo da linguagem da poesia da Resistência francesa da década de 1940, nos versos de Aragon:

Mas si, Parlez d’amour encore et qu’amour rime

Avec jour avec âme ou rien du tout parlez

Parlez d’amour car tout le reste est crime

 

Sim, Falem de amor ainda e que amor rime

Com dia com alma ou nada de nada falem

Falem de amor pois todo o resto é crime

 

(Prazo: 30 de setembro de 2021)

(Editora: IMACULADA KANGUSSU)

https://periodicos.unb.br/index.php/dasquestoes/index

 

Submissão de trabalhos

 

Créditos da imagem: Flickr “Victor” / Disponível em: https://www.flickr.com/photos/40003485@N07/4737949502