Os métodos modernos de produção nos deram a possibilidade de bem-estar e segurança para todos; escolhemos, ao invés disso, ter sobretrabalho para alguns e privação para outros. Ainda somos tão energéticos quanto éramos antes do surgimento das máquinas; neste aspecto temos sido tolos, mas não há razão para continuarmos sendo tolos para sempre. (RUSSELL, 2002, p.35)

 

A absurda escala 6×1 não tem conseguido mais a sustentação ideológica para a sua conservação. Pelo menos é isso que dá para extrair dos anseios das ruas. O Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), liderado pelo vereador Rick Azevedo (PSOL-RJ), bem como seu desdobramento em Brasília através da Proposta de Emenda à Constituição conduzida pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), tem expressado politicamente esses anseios.

Para a elite, trata-se de mais uma utopia da esquerda. Todavia, vale lembrar que utopia é o epíteto dado pela direita a tudo aquilo que é benéfico para os trabalhadores. Logicamente que a depender das condições materiais essa utopia pode ser mais ou menos concreta. Por exemplo, a concepção de uma aeronave no Renascimento poderia até pipocar enquanto projeto, entretanto, nunca alcançou a sua realização, não por incompetência dos intelectuais, mas pela limitação do próprio contexto histórico. Assim, poderíamos falar que naquele período tínhamos uma utopia abstrata, que não encontrava as possibilidades reais para sua realização. Mas nos inícios do século XX, essa utopia ganha possibilidades concretas e, dessa maneira, realiza-se.

Para tornarmos o exemplo mais próximo do que estamos tratando, podemos considerar o problema da fome, que ainda perdura em diversos locais do mundo. Em um passado remoto, poderia ser argumentado sobre a sua impossibilidade de erradicação devido à escassez. Entretanto, considerando o atual desenvolvimento das forças produtivas, a existência do problema fome está mais ligada à anarquia da produção e aos interesses escusos da classe dominante do que a um impasse entre o ideal e o real. Portanto, um mundo sem fome é totalmente possível. Este exemplo pode ser estendido à possibilidade de uma vida com menos labuta, o que no atual desenvolvimento técnico é totalmente possível. Aliás, não só é possível como já temos exemplos concretos de vários países onde os trabalhadores conquistaram a redução de escala e tiveram excelentes resultados.

Assim sendo, esta utopia é bastante concreta, possível e necessária. Mas, claro, aos olhos da burguesia, isso é insustentável e, agora, a mesma burguesia que se contorceu toda com as demandas de José do Patrocínio pelo abolicionismo, mais uma vez se esperneia diante desta demanda social. A ideia de “trabalhar enquanto eles dormem”, pregada pelos pastores de Mamon, coaches idólatras do capital, não se sustenta mais perante a opinião pública brasileira. Na verdade, no estágio atual do desenvolvimento tecnológico, poderíamos ter uma escala ainda menor, que inclusive poderia estimular a economia, resolvendo parte do problema do desemprego e parte do adoecimento mental que vem tomando cada vez mais a classe trabalhadora; mas, como sabemos, essa temática esbarra nos interesses da nossa classe dominante, que, de dentro de suas mansões e no conforto de uma vida de luxo e eternas férias, não concebem que os trabalhadores tenham tempo para lazer, para o cuidado com suas famílias, para o aprimoramento de seus conhecimentos.

Para a elite, qualquer diminuição das cargas exorbitantes de trabalho esbarra em suas taxas de lucro. Aliás, para o capitalista, o lucro sempre esteve à frente da vida. Assim foi quando implantaram e defenderam os horrores da escravização. Foi assim que implantaram e defenderam as jornadas absurdas de trabalho durante a Primeira e Segunda Revolução Industrial. A depender da nossa elite, ainda estaríamos sob um regime de escravização. Não é à toa que ainda haja quem olhe para o nosso passado monárquico e escravocrata e sugira seu retorno. Não é à toa que ainda haja pessoas que defendam o neo-feudalismo. Sísifo, para estes adoradores de Mamon, é o modelo de trabalhador.

Entretanto, é salutar dizer que, mesmo com uma elite parasitária, vivendo à custa do povo, os trabalhadores sempre se organizaram e conseguiram forçar os poderosos a ceder. Foi assim que caiu a escravização, foi assim que acabaram as jornadas exorbitantes de 16 horas, e foi assim que foram conquistados todos os direitos que temos hoje. Portanto, parece que estamos novamente em um momento importante de nossa história, em que os trabalhadores pautam o fim dessa escala absurda, e, organizados politicamente, conseguiremos impelir os poderosos a ceder.

Essa vitória, que virá com muita luta, pode abrir precedentes para um debate ainda mais profundo sobre o caráter exploratório do capitalismo. Portanto, é essencial que a esquerda, os sindicatos, os movimentos sociais e todas as organizações da classe trabalhadora assumam essa pauta e pressionem os parlamentares por meio de constantes mobilizações. Essas mobilizações, além de derrubarem a escala 6×1, serão um aglutinador de classe e um fomentador da consciência de classe, que poderão se desdobrar em outras conquistas.

 

 

 


REFERÊNCIAS

 

RUSSELL, Bertrand. Elogio ao ócio. Rio de Janeiro: sextante, 2002.

 

 

 


Créditos da imagem da capa: Letycia Bond – Agência Brasil