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“Perdono, pero nunca olvido”: a Operação Condor nas Américas
Ensaios e opiniões

“Perdono, pero nunca olvido”: a Operação Condor nas Américas 


La Operación Cóndor invadiendo mi nido

Perdono, pero nunca olvido, ¡oye!

Latinoamérica, Calle 13.

 

A “Operação Condor”, objeto de análise deste ensaio, consistiu na articulação das principais ditaduras do Cone Sul das Américas que se instalaram na segunda metade do século XX, onde houve trocas de informações e legitimações de crimes de horror entre as ditaduras da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, com o intuito principal de promover uma frente unida contra o avanço comunista pós Segunda Guerra Mundial.

O contexto presente no período em que a “Operação Condor” e a imensa força com que os governos ditatoriais do Cone Sul se firmaram naquele período possuem uma ligação íntima com os esforços promovidos pelos Estados Unidos. A configuração social da “Guerra Fria” foi de extrema importância para que a implementação de mecanismos repressivos fruto da articulação das ditaduras fossem bem-sucedidos, pois a fim de sabotar qualquer tentativa de governo socialista, ou até mesmo um governo capitalista forte que influenciasse de forma considerável na América, houve diversas influências e implicações advindas da potência hegemônica dos Estados Unidos para legitimar a violência e a forte repressão presente nas políticas ditatoriais (Paredes, 2004, p. 124).

No fim da Segunda Guerra Mundial, o que se observa na América Latina é uma divisão das áreas de influências entre aqueles que possuíam vínculos com os EUA, e aqueles que possuíam influência da URSS. O sucesso da revolução socialista cubana em 1959 colocou, de forma ainda mais incisiva, a necessidade de lutar contra os “inimigos da pátria” e a infiltração comunista e, assim, fazer com que os Estados Unidos assumissem uma postura cada vez mais controladora e soberana dos governos totalitários. Segundo Alejandro Paredes, como resultado de todo esse contexto, os EUA se firmam de forma contundente para fortalecer as ditaduras do Cone Sul, traçando como objetivo principal para toda a América Latina, segundo o Secretário de Defesa norte-americano em 1967, “o desenvolvimento de forças militares e paramilitares locais para garantir a segurança interna” (2004, p. 124).

Tendo em vista esse objetivo, entre 1970 e 1973, Paredes argumenta ainda que os Estados Unidos destinaram cerca de 4.300 milhões de dólares para fortalecer a segurança nacional desses países. Também construíram a Escola das Américas, no Panamá, que tinha como ideia preparar guerrilhas contra o avanço vermelho, sendo ensinados métodos de torturas praticadas nos próprios alunos, e a fazer bombas com utensílios domésticos. Para além de seus conselhos nas tomadas de decisões dentro desses regimes, a inteligência americana também havia distribuído inúmeros equipamentos elétricos. Nos “Arquivos de Terror” pertencentes ao Paraguai, foi encontrado um manual de Fort Gulick que ensinava como manter uma pessoa viva por mais tempo ao torturá-la com eletricidade. Ainda em Fort Gulick, funcionava um centro de comando de operações que possibilitaria a troca de informações internacionais para decidir certas diretrizes da “Operação Condor”, e toda a rede de telecomunicações era cedida pelo Governo dos Estados Unidos.

Apesar de algumas ações diretas da CIA, os Estados Unidos buscaram desvincular-se da imagem de influência direta sobre a “Operação Condor”, o que poderia trazer repercussões adversas. Para isso, criaram a CORU (Comando das Organizações Revolucionárias Unidas), uma organização que operava em colaboração com a CIA e tinha como objetivo realizar ações na América Central. A CORU ficou encarregada de uma série de atos terríveis, incluindo a explosão de aviões e o massacre de líderes locais considerados transgressores da ordem. Além disso, o comando foi responsável por uma tentativa fracassada de assassinato contra Fidel Castro, um dos principais alvos da disseminação da ideologia socialista (Paredes, 2004, p. 128). Sendo assim, o que se evidencia é que o governo estadunidense foi responsável por arquitetar e apoiar diversas torturas, mortes sem nenhuma possibilidade de julgamento, desaparecimentos de centenas de pessoas, roubos de propriedades, manipulações de notícias e violações de direitos.

Ainda, o autor Esteban Cuya expõe sobre a “Operação Condor” e destaca a descoberta dos “Arquivos do Terror”. Cuya discorre sobre o Paraguai e a ditadura de Alfredo Stroessner, de 1954 a 1989. Segundo o autor, o Paraguai durante o período ditatorial do general Stroessner, desfrutava de grande prestígio entre os criminosos contra os direitoshumanos, de várias regiões do mundo. Além da localização territorial estratégica do Paraguai, o ditador Stroessner, com o auxílio de militares e com a colaboração de empresáriosconservadores, oferecia a garantia de impunidade para os crimes cometidos, e também os que viessem a ser cometidos, acolhia esses violadores dos direitos humanos, e também lhes dava facilidades jurídico-administrativas, financeiras, militares e logísticas.

Cuya também expõe que o Paraguai foi reconhecido e elogiado pelo então presidente dos Estados Unidos da época(1969-1974), Richard Nixon, como um eixo estratégico para a luta anticomunista (2007, p. 45). Para mais, o autor sugere que a ditadura no Paraguai despertou interesse entre os militares do Cone Sul das Américas, que também aspiravam ditaduras semelhantes em seus países. Por esse motivo, muitos dos principais agentes secretos das tiranias latino-americanas se dirigiam até o Paraguai e se reuniam em várias ocasiões a fim de aprender com a experiência repressiva da ditadura Stroessner, além de conspirar e produzir estratégias ultrassecretas que visavam extinguir da região a suposta ameaça potencial do comunismo e subversão no continente.

O autor dedica-se em sua obra, também, a relatar diversos crimes desses governos ditatoriais no comando “Condor”. Um exemplo é o “Caso Prats”, ocorrido em setembro de 1974, em Buenos Aires. Na ocasião, o ex-vice-presidente do Chile e ministro de Estado no governo de Salvador Allende, o general Carlos Prats González, foi assassinado junto com sua esposa Sofia Cuthbert, após uma reunião. Este evento marcou uma das primeiras ações arbitrárias no exterior da Dirección de Inteligencia Nacional (DINA) do Chile, liderada pelo general Manuel Contreras, que via Prats como um dos maiores rivais do ditador Augusto Pinochet (Cuya, 2007, p. 46). Esse e outros incidentes revelam a liberdade com que a polícia e militares chilenos agiram no território argentino contra cidadãos que escapavam da ditadura de Pinochet.

Outro caso mencionado é o “Caso Leighton”. Bernardo Leighton, um opositor declarado do ditador Augusto Pinochet, estava sob vigilância dos serviços de inteligência chilenos. Durante uma visita a Roma, Leighton foi proibido de retornar ao Chile, acusado de atividades “anti-chilenas”. Ele trabalhava ativamente pelo retorno da democracia no Chile. Em outubro de 1975, os neofascistas italianos Pier Luigi Concutelli e Salvatore Falabella, com a colaboração de Stefano delle Chiaie, temporariamente a serviço da DINA, atentaram contra a vida de Leighton e sua esposa Ana Fresno, em Roma. Leighton foi baleado na cabeça e Ana Fresno no peito, ambos sobreviveram e puderam identificar os agressores (Cuya, 2007, p. 47).

Ainda, temos outro incidente mencionado: o “Caso Letelier”. Em setembro de 1976, a DINA realizou uma operação em Washington D.C., nos Estados Unidos, visando Orlando Letelier, ex-ministro de Estado do governo de Salvador Allende e figura-chave da oposição chilena ao governo ditatorial de Pinochet. O atentado foi coordenado por Michael Townley, um estadunidense agindo sob ordens de Manuel Contreras, chefe da DINA. O autor relata que semanas antes do assassinato planejado de Letelier, agentes secretos chilenos obtiveram passaportes e vistos paraguaios para entrar nos Estados Unidos, com a cooperação do Ministério das Relações Exteriores do Chile, que forneceu passaportes falsos aos agentes da DINA (Cuya, 2007, p. 48).

Em resumo, esses casos, silenciados durante tanto tempo, destacam que dentro da Operação Condor, houve amplos acordos entre os serviços secretos do Paraguai, Chile, Argentina, Bolívia e Uruguai, com a participação incentivada do Brasil e do Peru. As ações foram definidas dentro dos limites e fronteiras de todos os países membros, facilitando o deslocamento clandestino de agentes e a realização de operações conjuntas de repressão. Equipes especiais foram formadas para viajar a qualquer parte do mundo e eliminar políticos de oposição, exilados políticos, subversivos e colaboradores opositores (Cuya, 2007, p. 49).

Assim, podemos concluir que a “Operação Condor” foi um capítulo difícil para a história das Américas, mas relevante ainda nos dias atuais, particularmente no contexto da luta pelos direitos humanos, justiça e memória. As atividades maciças de violações de direitos humanos cometidas em nome da colaboração das ditaduras do Cone Sul contra seus cidadãos na forma de desaparecimentos, torturas e assassinatos ainda aguardam justiça, muitos anos depois. Embora a maioria dessas violações tenha ocorrido nas décadas de 1970 e 1980, seus efeitos ainda são sentidos em muitos países da região, com muitas famílias ainda sem respostas sobre o paradeiro dos desaparecidos. As feridas causadas por essas ditaduras ainda não estão totalmente cicatrizadas, e correspondem a um tema traumático e sensível – dos passados que insistem em não passar (Pinha, 2023, p. 9).

 

 

 

 


REFERÊNCIAS:

CALLE 13; MOMPOSINA, Totó la; BACA, Susana; RITA, Maria. Latinoamérica. Produção: Calle 13 e Rafael Arcaute. Album: Entren los que quieran. Porto Rico. Gravadora: Sony BMG, 2011. (4m58s).

ClioCast #040: Operação Condor: Discursos, práticas e ideologia do imperialismo estadunidense na América do Sul. [S.I.]: ClioCast, 2019.

CUYA, Esteban. La” Operación Condor”: el terrorismo de Estado de alcance transnacional. Em Debate, n. 3, p. 44-55, 2007.

PAREDES, Alejandro. La Operación Cóndor y la guerra fría. Universum, Talca , v. 19, n. 1, p. 122-137, 2004.

PINHA, Daniel. O tempo presente como desafio à historiografia e ao ensino de história em contexto de crise democrática. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 14, n. 35, p. 1-41, 2023.

 

 

 

 


Créditos na imagem: Cartum de Latuff representando a “Operação Condor” – Reprodução/ Carlos Latuff.

 

 

 


 

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