A destituição de D. Pedro II e a proclamação da República em novembro de 1889 foram recebidas no Brasil com alívio e apreensão. O período foi marcado por incertezas e discussões que tumultuaram o ambiente político da jovem república e acompanharam os anos iniciais do novo regime. Enquanto os monarquistas procuravam mobilizar a população contra a República, os republicanos viam ameaças na manutenção de estruturas de poder que seriam capazes de restaurar o regime monárquico.
De certa forma, a mudança no regime político significava o rompimento de um fluxo temporal ordenador da experiência histórica. Com a irrupção deste fio da história, pareceria surgir melancolicamente um sentimento de desorientação, onde tudo aparentava estar fora do tempo. Nas primeiras décadas após a proclamação da República, as disputas e a necessidade de atribuir sentido e dar forma a identidade nacional predominaram nos discursos sobre a nação, constituindo-se como uma tópica constante do repertório sobre história do Brasil.
Seja pela motivação trazida pelas mudanças da queda do Império, da Abolição e da nova organização federativa, tanto os que eram favoráveis ao regime republicano, quanto os que foram derrotados por ele, lançaram olhares sobre o passado. Foi pensando nessas questões que preparamos uma lista temática com seis artigos da revista História da Historiografia que se debruçam sobre a proclamação da República e a escrita da História. Os artigos são recomendações fundamentais para compreender como essas mudanças suscitaram um olhar sobre o passado e estimularam a reflexão histórica sobre o período. Confira:
1) De Zumbi a José do Patrocínio: a construção de uma história nacional e republicana nas primeiras décadas do século XX
As primeiras décadas do regime republicano foram marcadas por intensos debates intelectuais que buscavam rever o passado histórico e formular novas diretrizes para a identidade nacional. É a partir das tensões que se colocam nesse cenário que o artigo de Carolina Vianna Dantas busca compreender como se deu o processo de construção de uma história nacional e republicana nas primeiras décadas do século XX.
O estudo de Dantas se debruça sobre os discursos políticos e culturais presentes em dois periódicos publicados no Rio de Janeiro durante a primeira década do século XX: a revista Kosmos e o Almanaque Brasileiro Garnier. Por meio da análise dos debates culturais e políticos presentes nos periódicos, o artigo mostra como os laços entre o passado, a nação e o regime republicano foram forjados e incorporados na tentativa de construir a “história pátria” a “cultura cívica”. Assim, Dantas busca apresentar quais foram os principais elementos ali presentes e como esses intelectuais mobilizaram símbolos nacionais em compromisso com a nação e a intervenção política naquela sociedade.
2) Entre a tradição e a inovação: o IHGB e a escrita biográfica nas primeiras décadas republicanas
A mudança de regime político significou o rompimento com o que podemos chamar de “fio da história”, deslocando as necessidades intransigentes da política e resguardando as novas as posturas a serem conduzidas pela historiografia brasileira dali em diante. É buscando compreender como a prática historiográfica foi conduzida pelos sócios do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) nas primeiras décadas republicanas que Alexandre de Sá Avelar desenvolverá seu artigo.
O artigo de Avelar tem como principal objetivo responder como a queda da monarquia redefine a operação historiográfica do IHGB. Ao analisar uma parte da produção biográfica do Instituto Histórico nas duas primeiras décadas republicanas, o autor busca compreender como o novo regime republicano mobilizou o patriotismo e redefiniu o estatuto do gênero biográfico entre os sócios da velha instituição. Dessa forma, o autor defende o argumento de que o gênero biográfico exerceu um expressivo papel nas narrativas dos indivíduos ilustres e atuou como uma modalidade de preservação do que era considerado relevante no passado nacional.
3) O templo das sagradas escrituras: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a escrita da história do Brasil (1889-1912)
Considerado como um locus privilegiado e legitimador na elaboração de discursos sobre os tempos pretéritos, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) foi tragado pelas incertezas e discussões que tumultuaram o início do novo regime. Com base nessas questões, o artigo de Hugo Hrugy observa como os estudos históricos foram mobilizados no limiar da república e entraram em choque com os diversos espaços de experiências e horizontes de expectativas.
O objetivo do artigo de Hrugy é o de analisar as propostas de escrita da História do Brasil presentes entre os sócios do IHGB, diante da proclamação do novo regime político em 15 de novembro de 1889. Para o autor, durante o período de tensões e incertezas, o Instituto permite observar como foram articuladas essas discussões sobre a disciplinarização e institucionalização dos estudos históricos. Dessa forma, o artigo busca mostrar como os campos da fé, das leis e da razão buscaram subsidiar a História enquanto campo do conhecimento nas primeiras décadas republicanas.
4) Revolta e proclamação como molduras da história: escrita da história e olhares para a República entre os sócios do IHGB
Os diferentes olhares e vozes dos sócios do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) em relação à República de 1889 foram marcados por formas de ver o passado que serviram como uma espécie de moldura para escrita da história. É pensando na escrita da História e nesses olhares para a República entre os sócios do IHGB que Francisco Gouvea de Sousa desenvolverá seu artigo e buscará explicar como esses sócios emolduraram as narrativas sobre a proclamação.
Para desenvolver o artigo, Sousa explora a forma como os sócios do IHGB experimentaram a proclamação da República e formularam suas formas de compreensão do passado. A fim de explicar como esses olhares sobre o passado foram articulados e participaram de forma ativa na compreensão da vida política, o autor percorre algumas memórias históricas escritas pelos sócios que vivenciaram o 15 de novembro. O artigo intenta demonstrar, portanto, como a reaproximação entre o Instituto Histórico e a vida do governo marcou a permanência de um repertório de formas de ver o passado e projetar o presente.
5) A primeira fase da historiografia latino-americana e a construção da identidade das novas nações
Embora a questão nacional na América Latina e os problemas das origens da nação e da nacionalidade sejam temas recorrentes entre os intelectuais e historiadores latino-americano, ainda carecem estudos de síntese do pensamento latino-americano acerca da questão nacional. É justamente nessa tentativa de traçar um panorama sobre como a primeira fase da historiografia latino-americana esteve articulada com a construção da identidade das novas nações que Claudia Wasserman devolverá seu artigo.
Objetivo do artigo de Wasserman é examinar as propostas e afirmações a respeito da identidade nacional na historiografia latino-americana. A partir do movimento da independencia no começo do século XIX e no período pós-emancipação, o artigo discute como se articulou a temática da identidade nacional. Dessa forma, com base nas especificidades de cada nação e nas dificuldades de ordenamento das identidades consideradas originárias, a autora defende o argumento de que a identidade nacional foi um tema constante na historiografia e nas discussões políticas latino-americanas nesse período.
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