Rio das mortes

 

No interior de cada cidade corre um rio de morte

Que passa, com suas águas tristes

Lambendo a terra cansada de injustiças

Deixando a quem passa o ar de socorro

O grito de algum morto

O eco dos olhos que ali choraram

O rio que fraco bombeia o sangue mais antigo da cidade

Num cortejo em direção ao precipício humano

 

Quem há de ver?

Quem há de sentir as dores da Terra?

 

Suas veias drenadas, apodrecidas estão as águas

Seus órgãos minerados, a pele dissecada

 

Os olhos da altiva cidade já não veem que o rio morre

E que há um canto ali contido

Uma poesia triste que um indígena lê e tlera sente. [1]

 

O vento atiça o rio, que vibra o ventre de quem ouve sua voz

E as plantas, como amigas, o acodem

Fazem companhia, como no leito de morte

Pois, no interior de toda cidade

Corre um rio – como escorrem os nomes

No interior de cada cidade, corre um rio

Um rio e alguém em luto,

Um rio morto que aponta para o Norte

 

 

 


NOTAS

[1] “tlera”, em kwaytikindo, língua Puri, significa “muito”.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução. Diego Rivera. House over the Bridge. (c. 1909)

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Isaías dos Anjos Borja (Xipu Puri)

Mestrando em Letras, Bacharel em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Se interessa por temas referentes às relações entre História e Memória, Decolonialidade, Histórias e Culturas Indígenas e pela Literatura Indígena Brasileira, tema de sua pesquisa de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (POSLETRAS): Estudos da Linguagem da UFOP, vinculada à Linha de Pesquisa "Literatura, Memória e Cultura". É indígena do povo Puri, poeta, produtor e músico experimental, sendo autor de livros de contos e poesias (com o semi-heterônimo Alfredo e seu nome étnico Xipu Puri), participando de duas coleções literárias do Selo Off Flip, das antologias "Outros 500" e "(ECO)AR" da editora Toma Aí Um Poema, além de possuir publicações em portais acadêmicos e culturais. Em dezembro de 2022 lançou o Extended Play intitulado "taheantah tri", uma produção literária experimental com música. É coautor da dramaturgia ''Siaburu'', presente na Caixa de Dramaturgias Indígenas organizada pela N-1 Edições em parceria com a produtora Outra Margem durante a terceira edição do Teatro e Povos Indígenas (TePI). Siaburu estreou como espetáculo em junho de 2023, em Évora, Portugal e contou com a atuação de Xipu na produção musical. Em setembro de 2023 lançou seu segundo álbum, intitulado "Pindobeat". Atualmente se dedica ao estudo da História pela Literatura Puri, à produção artística, além de compor o corpo de colaboradores voluntários do Museu da Cultura Puri.

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