Curioso imaginar o tempo, os despertadores e a angústia que sinto em todas as meias-noites. Questiono-me, quando é a hora de parar? Afoguei tão rápido em uma madrugada de dezembro que não pude dar chance ao tempo, não percebi que minha angústia era palpável e agora não posso te tocar. Não me julgo onipresente, mas posso te ver de longe e de perto. Dentro e fora. Entretanto, sou desconfiado e curioso, um pouco disperso. Eu também estou aqui, consegue enxergar?

Não ouso calar minha voz, ela continua ecoando entre o silêncio da minha pálpebra e o espaço entre meus lábios. Reparo que, mesmo distante, ainda me observa através de suas lentes. Escrevo-te, descrevo e leio. Captura-me, retrata, me fotografa e eterniza. A ambiguidade é intensa, os sinônimos e os segundos também. Por isso, penso através de metáforas, recrio vocabulários e entendo as efusões ocasionais de instantes vívidos que ficaram para trás.

Naquele momento, entre mensagens de texto e copos de cerveja, não pude pedir que secasse minhas lágrimas. Também não pude desbravar minha alma, espernear em câmera lenta e gritar tão abertamente. Apesar de tudo, senti algo acontecendo no meu calor íntimo. Eu estava em guerra. Havia energia elétrica e emergiam sentimentalidades, crises e catástrofes. Caminhei pelo labirinto dos meus pensamentos, encontrei páginas amareladas e uma bússola do tempo. Eu não posso me despedir agora, pensei.

Ainda quero reencontrar seu sorriso e o charme do seu cabelo na multidão. Naquela noite, no lado errado da cidade, choveu tão fortemente que alguns cães de rua procuraram abrigo em caixas de papelão. Uma árvore de 100 anos caiu no telhado de uma casa e os trovões pareciam à trilha sonora dos meus filmes de terror favoritos. Entretanto, você encontrou um espelho e olhou no fundo dos seus próprios olhos, desvendou mistérios e concretizou hipóteses. Não era meia-noite, mas era tarde demais. Passei por uma rua alagada, foi quando percebi que merdas acontecem e vi uma pena branca voando entre os galhos de uma árvore.

Não consegui nadar até a margem do meu índigo e muito menos tive um último suspiro. Fico bem quando dou voz ao que foi esquecido e posso concretizar minhas próprias promessas. Eu carrego a teimosia da minha família e insisto na imaginação de novos cenários onde coisas boas acontecem e lembranças são construídas. Sempre gostei de pontes, vejo uma entre nós. Contudo, me perco sempre que penso na pinta ao lado de sua boca e em cada centímetro do seu rosto perfeito. Eu não sou tão inocente quanto pareço, mas sou refém do que escrevo e sinto. Por isso, me deixei afogar em você.

Não posso entender o tempo e nem a maneira cruel como ele acontece. O sentido do toque, as pessoas e coisas, a vida passando rápido demais. Depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será. Drummond achava inútil resistir ao amor, eu acho inútil resistir ao tempo. As pessoas precisam de espaço, eu preciso me esvaziar. Notei que sinto um leve incômodo na pluralidade e sei que você odeia ter opções. Será que morro hoje? Talvez depois da meia-noite. Portanto, eu penso tanto. Naquela madrugada caíram pedaços do céu, eram ruínas e fragmentos estelares, éramos eu e você.

 

 

 


Créditos na imagem: Obra: Os Amantes (1928), Rene Magritte.

 

 

 

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