Sobre o encontro: Marighella e a importância de estarmos juntos

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Ontem fui ao cinema, após 20 meses sem poder me imaginar dentro de uma sala fechada com outros desconhecidos. O ato simbólico também tinha um tanto de ato político: era a pré-estreia de Marighella no Brasil. O filme dirigido por Wagner Moura finalmente se encontra em cartaz em mais de 200 salas de cinemas brasileiros. Foram mais de dois anos de boicotes, censuras, perseguições e toda sorte de impedimentos para que a obra fosse realizada. Após a conclusão de sua produção, houve ainda a impossibilidade de que o filme já aclamado pela crítica internacional fosse distribuído em território brasileiro. 

Na mesma noite de primeiro de novembro de 2021, Wagner Moura se viu novamente respondendo ao questionamento que já o fizeram outras vezes1: frente às barreiras impostas para a exibição no circuito cinematográfico, porque não disponibilizou o filme em uma plataforma de streaming? À pergunta aparentemente óbvia, tendo em vista os tempos nos quais vivemos, o artista ofereceu duas justificativas cortantes: primeiramente porque não era de seu interesse capitular, desistir, abaixar a cabeça para esse governo e toda a repressão, cerceamento e aniquilamento da cultura e do povo brasileiro que ele tem nos imposto. Em segundo lugar, justificava dizendo que este é um filme para ser visto no cinema, por suas características técnicas, mas, sobretudo, pela importância do estar juntos, da formação da assembléia aleatória e temporária que se forma naqueles 155 minutos de exibição, da possibilidade da construção de empatias, de reconhecimentos e de reação. Reação à história do protagonista e de seus companheiros e suas companheiras na luta pelo comunismo e pela libertação do Brasil que se encontrava sob o jugo da ditadura militar em um dos seus períodos mais duros e violentos. Reação ao Brasil de Bolsonaro, que constrói no elogio ao passado desta mesma ditadura sua versão da história do Brasil, na qual os torturadores são heróis, aqueles que cultivam sonhos são assassinados e a soberania do país é vendida em dólar.  

Programa vacinal completo, protocolos sanitários checados, média móvel de internações em queda, essa é a nossa rotina na retomada de atividades das quais nos privamos por uma razão maior, em defesa das vidas. Ainda estamos convivendo com o vírus, com uma ordem pandêmica e precisamos manter a atenção aquilo que é mais valioso. Contudo, a experiência catártica de que arte nos proporciona me impele à escrita desse texto. Um texto que não é uma resenha do filme, mas que se pretende uma singela reflexão sobre a importância do encontro, do impacto insuperável da presença e da força política que os “corpos em aliança”, como diz Judith Butler, é capaz de produzir. Um filme como Marighella foi feito para ser assistido no cinema, assim como nossas aulas pertencem às escolas e às universidades. 

 

 

 


NOTAS

1 Entrevista de Wagner Moura no programa Roda Viva, da TV Cultura. Exibido em 1 de novembro de 2021.

 

 

 


Créditos na imagem: Divulgação. Globo Filmes.

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Gésssica Góes Guimarães Gaio

Professora Adjunta de Teoria da História e História da Historiografia da UERJ e pesquisadora da COMUM.

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