1956: um carnaval que não sai da boca do povo

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Um dia desses, debruçado sobre periódicos antigos, focado em uma determinada pesquisa, me deparei com uma manchete do Diário Carioca do dia 12 de fevereiro de 1956, mais precisamente o domingo de carnaval daquele ano. A manchete dizia: “Sambas e marchas que estão sendo cantados”. Curioso, amante do samba e sua história, resolvi passar o olhar rapidamente pela matéria. Foi o bastante para esquecer, naquele momento, o que eu estava pesquisando e instantaneamente concluir, maravilhado com a leitura: Que Carnaval! Que sambas!

 

Pois é, meus amigos! Dentre algumas dezenas de sambas e marchas, alguns deles me chamaram muita atenção. São velhos conhecidos nossos. Clássicos de rodas de samba, de quadras, salões, blocos e até de terreiros de Umbanda – Saravá, Seu Zé! E já que falei nele, vamos começar pelo samba Rádio Patrulha, afinal, a abrideira é sempre dos compadres!

 

Iniciada a leitura, meu olhar, de imediato, pousou nos versos: “Se a rádio patrulha chegasse aqui agora/seria uma grande vitória/ninguém poderia correr”. Quem, que frequenta uma boa curimba, não conhece esses versos? O samba Rádio Patrulha, grande sucesso do carnaval de 1956 acabou virando ponto cantado para malandros nos terreiros de Umbanda – Salve a malandragem! O que pouca gente sabe é que antes de virar ponto cantado de Umbanda, Rádio Patrulha foi samba e um dos principais sucessos do carnaval de 1956, sendo inspiração até para fantasia feminina, como consta na revista Fon-fon de 4 de fevereiro do mencionado ano. Um samba desses não poderia ter sido composto por qualquer pessoa, né não, gente boa? E não foi mesmo. A autoria é do viga-mestre imperiano Silas de Oliveira – autor de outro grande samba neste mesmo ano – em parceria com Marcelino Ramos, J. Dias e Luizinho. O curioso é que o grande Silas era de família protestante, sendo seu pai pastor. O que ele diria hoje em dia, hein?!

 

O carnaval de 1956 teve mais uma dose do mestre Silas de Oliveira. Silas, junto com outro importante baluarte imperiano, também mestre de todos nós, Mano Décio da Viola, compôs o samba de enredo O sonhador de esmeraldas, samba que deu o bicampeonato ao Império Serrano, cujo o presidente à época, era o Sr. Zacarias da Silva Avelar, avô do atual presidente do reizinho de Madureira, o Sandro Avelar. O samba foi “puxado” na avenida – que o saudoso Jamelão não me ouça – pelo Sr. Molequinho e pela matriarca do Império Serrano, tia Eulália. Quem diz que mulher não é valente? As imperianas sempre presentes!

 

Trago agora um pouco de rosa para se juntar ao verde imperial e assim, em verde e rosa, falar sobre os sambas da Mangueira citados no já mencionado Diário Carioca. A Mangueira chegou! O samba responsável pelo esquenta da Estação Primeira também foi um sucesso desse longínquo ano de 1956. Exaltação à Mangueira, dos compositores Enéas Brittes e Aloísio Augusto da Costa está lá, estampado no jornal. Os versos estão até hoje na boca de todo mangueirense e de todos os amantes do samba. “Mangueira teu cenário é uma beleza/Que a natureza criou…”. E tem mais verde e rosa mostrando a força da sua tradição. Fala Mangueira também é outro clássico que foi cantado naquele ano, dos compositores Mirabeau e Milton Oliveira. “Fala Mangueira, fala/E mostra a força da sua tradição…”. Pra finalizar a parte mangueirense dos clássicos desse carnaval não tem como não citar o grande samba que Oswaldo Vitalino de Oliveira, o grandioso Padeirinho, fez para o enredo Exaltação a Getúlio Vargas. O samba ficou conhecido como O grande presidente e deu à Mangueira o terceiro lugar. “No ano de 1883/No dia 19 de abril/Nascia Getúlio Dorneles Vargas/Que mais tarde seria o governo do nosso Brasil…”.

 

Fala mulato, um samba de Ataulfo Alves e Alcebíades Nogueira também faz parte dessa constelação de sambas imortais que fizeram a festa do povo no carnaval de 56. “A reação dos tamborins/Começou lá no bairro de Noel/Parabéns Vila Isabel…”. No meio dessa constelação de sambas clássicos mais uma estrela. O rei dos terreiros. Cantado como hino por muitos sambistas em rodas de samba Brasil e mundo afora. Quem é que não conhece A voz do Morro do Zé Ketti? “Eu sou o samba/A voz do morro sou eu mesmo sim senhor/ Quero mostrar ao mundo que tenho valor/Eu sou o rei dos terreiros…”.

 

São muitos os sambas com os quais me deparei nessa matéria do Diário Carioca, esses são apenas alguns dos sambas que mais me chamaram atenção. Sem falar nas queridas e famosas marchinhas. Elas também estavam lá esbanjando irreverência e alegria, tão presentes na festa momesca. E quem sabe, sabe, conhece bem o quanto sou fã desse gênero da música popular brasileira. E se o início da frase anterior te lembrou uma conhecida marchinha, é isso mesmo! Quem sabe, sabe uma marchinha de Jota Sandoval Carvalho, juntamente com A turma do funil de Mirabeau, Milton de Oliveira e Urgel de Castro estavam lá, no carnaval de 1956, na boca do povo, embalado pelos braços de Momo. Canta aí! “Quem sabe, sabe/conhece bem/como é gostoso/gostar de alguém…”. Mais essa! “Chegou a turma do funil/todo mundo bebe/mas ninguém dorme no ponto…”. Que Carnaval! Diz aí, amizade! Na boca do povo até hoje.

 

 

 


REFERÊNCIAS

Diário Carioca, 12 de fevereiro de 1956. Disponível em http://memoria.bn.br/docreader/093092_04/31590. Acesso em: 12 de novembro de 2020.

Revista Fon-Fon, 04 de fevereiro de 1956. Disponível em http://memoria.bn.br/docreader/259063/147150. Acesso em: 12 de novembro de 2020.

VALENÇA, Rachel; VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha, Serrano:o Império do Samba. 1ª. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2017.

PAULINO, Franco. Padeirinho da Mangueira: retrato sincopado de um artista. Ed. São Paulo: Hedra, 2005.

 

 

 


Créditos na imagem: Diário Carioca, 12 de Fevereiro de 1956.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Tadeu Goes

Poeta, advogado, licenciado em História pela Universidade Estácio de Sá, com especialização em História Antiga e Medieval pela Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro. Autor do livro de poesia Nascente (2018) e integrante da Liga Universitária de Pesquisadores e Artistas de Carnaval da UFRJ (LUPA Carnaval).

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