Violas

 

Violas contam os corpos,

Violando em noites sem volta.

Violam memórias, cantam…

Estórias, escórias,

Sobre o denso-fino véu do desaparecido…

As manchas que gritam em paredes que contam

Canções que marcam o tempo da (des)esperança.

Amanhãs, sóis moribundos de justiça,

Que clamam como os ossos sozinhos no deserto; ou no mar que os engoliu,

Sem direito ao luto e ao choro.

Mãos pisoteadas, fuzis famintos

Como o fogo do inferno.

Justas causas lançadas em pandemônios arbitrários,

Contra revoltosas mentes, jovens sonhadores, famílias inteiras violadas

Nas terras ao norte e ao sul…

Os corpos contam violas.

Sobre o limbo dos dias e noites sem volta, não revolta.

Estórias cantadas nos ouvidos e nas casas.

Memórias, rios vivos, entre escoltas…

Desaparecidos, exílios, mortes, escórias.

Os vãos e as veias clamam pelo sangue…

Que mancham e gritam em terras distantes.

Letras que mancam sobre o tempo – do amor, dor, inquietude.

Manhãs sem sóis, vidas marcadas pelo tiro e a leva.

O frio e a queda,

Transições, outra espera…

Que como pedra viva, ancora no tempo

E traz marcos de vidas ceifadas,

Com o mais desumano dos pudores.

As dores que vibram na memória

São as dores da perda incompleta.

Da morte arrancada às pressas

Dos livros, dos registros,

Do coração ao anonimato.

“Levaram meu filho. Disseram que ele nunca existiu.”

“Levaram meu pai. Ele nunca me viu.”

“Eu tenho uma mãe, que no clandestino pariu.”

“Sou filho da ideia que meu país reprimiu.”

Violas caíram no tempo…

Violaram o ciclo natural…

Violaram o corpo, sacrário…

Violas, rios de sangue nos velhos idos

Que mal se escondem entre nós. 

 

 

 


Créditos na imagem: Violeta and other relatives, marching to the mass grave on the first anniversary of the executions after the remains were found. October 1990. Paula Allen.Disponível em https://www.paulaallenphoto.com/flowers-in-the-desert-chile

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Isaías dos Anjos Borja (Xipu Puri)

Mestrando em Letras, Bacharel em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Se interessa por temas referentes às relações entre História e Memória, Decolonialidade, Histórias e Culturas Indígenas e pela Literatura Indígena Brasileira, tema de sua pesquisa de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (POSLETRAS): Estudos da Linguagem da UFOP, vinculada à Linha de Pesquisa "Literatura, Memória e Cultura". É indígena do povo Puri, poeta, produtor e músico experimental, sendo autor de livros de contos e poesias (com o semi-heterônimo Alfredo e seu nome étnico Xipu Puri), participando de duas coleções literárias do Selo Off Flip, das antologias "Outros 500" e "(ECO)AR" da editora Toma Aí Um Poema, além de possuir publicações em portais acadêmicos e culturais. Em dezembro de 2022 lançou o Extended Play intitulado "taheantah tri", uma produção literária experimental com música. É coautor da dramaturgia ''Siaburu'', presente na Caixa de Dramaturgias Indígenas organizada pela N-1 Edições em parceria com a produtora Outra Margem durante a terceira edição do Teatro e Povos Indígenas (TePI). Siaburu estreou como espetáculo em junho de 2023, em Évora, Portugal e contou com a atuação de Xipu na produção musical. Em setembro de 2023 lançou seu segundo álbum, intitulado "Pindobeat". Atualmente se dedica ao estudo da História pela Literatura Puri, à produção artística, além de compor o corpo de colaboradores voluntários do Museu da Cultura Puri.

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