A arte e seu potencial de transformações sociais: entrevista com a artista Mariana Guieiro

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É da troca de saberes e experiências que surgem as mais significativas e enriquecedoras amizades e parcerias. Após certo tempo afastada das artes e da escrita, me deparei com o mesmo sentimento do vazio criativo. A correria da vida, a série de questões diárias para discutir e resolver. Nestes momentos, a arte despende o meio principal pelo qual me lembro novamente do tempo. E é certo, para mim, que a arte foi também o caminho para amizades e aprendizados que eu seguramente não teria em outra oportunidade. Pessoas que vivem pela arte, compartilham suas trajetórias e nos ajudam a crescer. Uma destas pessoas é Mariana Guieiro. A entrevista a seguir conta um pouco das experiências de Guieiro em suas diversas atividades, em especial, a profissão de artista visual. Agradeço à Mariana por toda a atenção e gentileza neste processo, e por compartilhar conosco, em primeira mão, a obra “Basta!”, que aponta, de forma potente, a necessidade de repensarmos as realidades e as relações sociais contemporâneas com destaque para as relações de gênero. Desigualdades, ação de um poder que se articula a partir e por entre as mais diversas representações, convenções e mesmo determinações legais. É por meio da sensibilidade e da responsabilidade social que alcançamos a transformação para melhor, e a arte desempenha papel fundamental neste processo.

Mariana Guieiro é artista visual, assistente social, curadora, expógrafa, arte educadora e ilustradora. Natural de Belo Horizonte, Minas Gerais, onde reside.  Graduada em Serviço Social pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, pós graduada em Políticas Públicas pelo Centro Universitário Unihorizontes, curadora, expógrafa e arte educadora pelo CEFART – Centro de Formação Artístico e Tecnológico da Fundação Clóvis Salgado onde também realizou os cursos de Estudo de Imagem I e Estudo de Imagem II. Atua em projetos relacionados com a arte, cidadania e direitos humanos, atendendo crianças e adolescentes. Desenvolve obras a partir de técnicas diversas, atua também como arte educadora e possui um ateliê em Belo Horizonte, além de integrante do coletivo de arte Co.cada. Suas obras são em maioria pinturas, contudo também realiza trabalhos em alumínio, madeira e gesso.

Dentre suas exposições recentes, estão: Mostra Chama /Tramas – CEFART/Fundação Clóvis Salgado – 2021, Mostra Chama/ Retratos, identidades e reflexões – CEFART/Fundação Clóvis Salgado – 2022, Mostra Chama/Paisagens e Territórios Sensíveis – 2023.

 

Paula – Para começar, fale um pouco sobre o início da sua trajetória enquanto artista: como começou a pintar/desenhar, se vê diferença entre a sua arte de antes e a de agora, etc.?

Mariana – Tenho uma lembrança de estar com minhas primas, brincando em casa, em algum momento começamos a desenhar a raposa do Cruzeiro, nosso time de futebol, me recordo de uma delas olhar meu desenho e gritar para as outras que eu sabia desenhar. A partir disso todas me pediram para fazer uma raposa igual a minha, para que elas fizessem uma papagaio/pipa, com o papel. Eu acredito que tinha aproximadamente seis anos. É uma lembrança muito feliz para mim. Faço parte de uma família que sempre trabalhou com as mãos, minha mãe é costureira, minha avó e tias maternas também, meu pai trabalha como serralheiro e depois de um tempo se tornou policial, mas nunca deixou de ser serralheiro. Uma das minhas madrinhas e uma outra tia, pintam, e me lembro de vê-las riscando o tecido, separando tintas, era algo do cotidiano na minha infância, tive contato com costura, fazia bolsas para minhas bonecas, fazia também flores de porcelana fria.  Mais tarde, aos doze anos, fui estudar em uma escola municipal aqui de Belo Horizonte, e lá vi pela primeira vez um ateliê. As aulas de artes nessa escola, eram muito interessantes, havia livros sobre técnicas e me lembro de ver um livro sobre Monet e ficar bem impressionada. Estudei quatro anos nessa escola e lá, fiz aulas diversas, desenho, mosaico, pintura, maquetes. Aos quinze eu entrei num curso de pintura, ministrado pela minha madrinha, que era oferecido por uma igreja do bairro. A partir daí fiz vários outros cursos livres de artes.

Ao longo da vida tive a oportunidade de conhecer técnicas variadas, as minhas obras mudaram, e continuam mudando, mas me sinto a mesma menina encantada pelas cores.

 

Paula – Sobre seus processos criativos: como você vê a arte, quais os elementos que você considera principais ou mais característicos nela e qual a sua relação com o tempo da arte?

Mariana – Eu entendo a arte como algo vital, sinto a arte como se a tinta que uso para pintar, corresse no meu sangue. Meu processo criativo não segue regras, o que eu sinto é um grande desejo de criar e experimentar. Como muitos artistas, por vezes me sinto em bloqueio criativo, mas hoje já me pergunto se é um bloqueio ou apenas o tempo. Preciso de tempo e espaço para criar, não acredito que devemos nos render ao relógio cruel do capitalismo, não somos máquinas. A exigência das redes sociais não condiz com a minha capacidade de criar, nem obras e nem conteúdo de divulgação. Sou uma artista que torce para que as obras possam ser comercializadas em espaços físicos. É um desafio atual nos manter, tendo um ritmo de produção possível e remunerado.

 

Paula – Quais são as suas principais referências atualmente?

Mariana – Iara Tupinambá é uma artista que gosto muito, Portinari, Tarsila do Amaral, e uma das grandes referências da minha infância foram as revistinhas da Turma da Mônica, Maurício de Sousa me encanta, as expressões dos personagens, a genialidade dos traços me instiga muito. Frida Kahlo é uma artista sensacional, quando me sinto perdida, reflito muito sobre as obras de Frida e sua capacidade de autoconhecimento, isso me faz lembrar de trazer o que é original em mim.

 

Paula – Você desempenha outras profissões além da de Artista Visual, como a de Assistente Social e a de Arte Educadora; vê relações entre elas? Como as experiências vividas nas suas outras áreas de atuação influenciam (ou não) a sua arte?

Mariana – Eu costumo dizer que sou uma artista melhor por ser assistente social, e sou uma assistente social melhor por ser artista. A arte me faz mais sensível, e o serviço social mais consciente, então acredito que tudo se encaixa bem. Como arte educadora consigo mesclar tudo que trago na bagagem e o resultado tem sido muito positivo.

 

Paula – Para você, qual o papel da arte na sociedade? 

Mariana – No meu fazer artístico, eu compreendo a arte como forma de expressão, nesse momento quero expressar transformação social, e a arte é uma ferramenta quente. Dessa forma, acredito que o papel da arte pode ser múltiplo, mas precisa ser também político, transformador.

 

Paula – Quais as obras e projetos você desenvolvidos por você e que você mais se orgulha de ter realizado? Por quê? Fale um pouco dos seus novos projetos e como as pessoas podem acompanhá-los.

Mariana – Eu realizei obras diferentes ao longo dos anos, mas recentemente, entendo que tenho dado as minhas obras mais críticas sociais, e isso me deixa muito empolgada. A obra “Água de Viver” , que esteve na Mostra Chama/Paisagens e Territórios Sensíveis – 2023, traduz bem esse sentimento. A obra retrata a Lagoa da Pampulha, cartão postal de Belo Horizonte, na pintura a óleo, para além do já conhecido, coloquei pessoas e animais nadando em frente a Igrejinha, entretanto, como é de conhecimento da população, a lagoa está altamente poluída e o banho é proibido. Deixo então, retratado na tela, o desejo de que um dia a água volte a ser limpa, e um apelo às autoridades responsáveis pelo tratamento e despoluição.

 

“Água de Viver”, óleo sobre tela e textura, 2022. Obra de Mariana Guieiro. Fotografia tirada pela artista.

 

Outra obra muito importante pra mim, e que ficou pronta essa noite, é “Basta!”. Nessa obra, retrato um homem pisando em mulheres que o servem, e por cima, uma fita zebrada indicando que essa é uma situação que não deve mais acontecer. O desejo de criar essa obra vem das minhas vivências como mulher, e das inúmeras situações de violência sofridas por outras mulheres, algumas conhecidas, outras relatadas nos jornais e pesquisas. Precisamos dar um basta, chega de tantos casos cruéis, e chega de sermos tratadas de forma inadequada. Esse é o primeiro trabalho de uma série que estou produzindo e que desejo expor em breve.

 

“Basta!”, acrílica sobre tela, 2023. Obra de Mariana Guieiro. Fotografia tirada no ateliê da artista para a entrevista.

 

Para quem quiser acompanhar meu trabalho, meu instagram é @marianaguieiro vai ser um prazer, vê-los por lá, e por favor me digam o que acharam.

 

Paula – Qual conselho você daria a alguém que gostaria de começar a realizar atividades relacionadas à arte (profissionalmente ou não), mas que ainda não se sente pronto ou com confiança o suficiente em si?

Mariana – A arte tem um poder magnífico, eu já fui salva pela arte inúmeras vezes, e sei que sempre que eu precisar ela vai estar lá. Nesse momento, eu deveria estar dormindo, amanhã cedo vou dar oficinas de artes para crianças, mas me empolguei terminando uma obra e queria muito terminar esse texto também. Estou super acesa e feliz de poder contar um pouco da minha vida artística. Isso é maravilhoso. Então toda a exaustão do cotidiano, as dores da vida, são drasticamente diminuídas, ou até desaparecem, quando eu estou concentrada criando e discutindo arte. Então o conselho que eu gostaria de dar, é que você se permita sentir a arte te envolver. Se você tiver papel use papel, se não tiver, use papel de reuso, se tiver tintas use, se não tiver use borra de café, terra. Mas vá em frente, aproveite as oportunidades, existem vários cursos gratuitos, e para além disso, experimente na sua solitude, os seus saberes inatos, pinte com os dedos, use técnicas, mas não use também. Seja livre, faça a sua arte, nada é mais impactante do que a originalidade.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Labirinto do Sentir, 2022. Obra de Mariana Guieiro. Fotografia da autora.

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Paula de Souza Ribeiro

Mestra em História pela Universidade Federal de Ouro Preto na linha de pesquisa Poder, Linguagens e Instituições. Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Membra do Grupo de Pesquisa Justiça, Administração e Luta Social - JALS, sediado na UFOP. Ênfase de atuação nas áreas de História da Arte, História do Brasil Imperial, Musicologia, Curadoria e Patrimônio Cultural.

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