Para mim, a década de 90 foi uma época imersa na pobreza e nas constantes promessas tecnológicas: falava-se que a tecnologia tornaria o mundo melhor, sem miséria e sem desigualdade… E essas promessas foram fazendo eco por todo o país, vindo alcançar a minha cidadezinha de Imbituva-PR e, por consequência, a comunidade rural de Jararaca, onde a minha família e eu morávamos. Assim, a comunidade que antes havia sido faxinal, agora era tomada por aquelas ideias de modernidades, da tal revolução verde…
… e eu ouvia tudo isso, aqui e ali, mas pouco absorvia, pois eu estava mesmo imerso na subjetividade infantil camponesa, onde a ideia de tecnologia aparecia entrelaçada ao desejo de aquisição de uma televisão. Por isso, eu interpretava aquelas prosas enquanto prenúncio da chegada daquela janelinha mágica, na qual as HQs, os causos do meu velho tio e uma série de coisas, que só tinham vida plena através da minha imaginação, ganhariam vida independente…
Anunciava-se as boas novas tecnológicas, porém pelas ruas da cidade, por entre os carros, ainda circulavam as carroças e no campo ainda se lavrava a terra com o boi e o cavalo… Aliás, ali na minha comunidade, nem mesmo a luz elétrica havia chegado e, em nossa báia, ainda vivíamos sob a luz da vela e do lampião, sendo que a nossa mais avançada tecnologia se encontrava sobre uma velha estante: era um antigo rádio, AM, o qual transmitia entre seus ruídos algumas vozes humanas e acordes dissonantes.
Sem eletricidade, eram as pilhas que nos salvavam… pilhas essas que, caso não houvesse os devidos cuidados, acabavam-se rapidamente e, por isso, jamais poderíamos deixar as pilhas dentro do rádio quando este tivesse desligado e, além disso, o aparelho nunca poderia ser ligado ao longo do dia, ficando seu uso restrito às primeiras horas da manhã e da noite… no nascer e sumir do sol, ele era ligado e então ouvíamos as músicas, as notícia e um pastor que berrava sobre o fim do mundo.
Lembro-me nitidamente quando as primeiras TVs chegaram na comunidade de Jararaca. Quando um de nossos vizinhos comprou uma TV, ocorreu uma grande muvuca em sua casa. Era gente pelo assoalho, pelas janelas e portas, numa briga por uma fresta qualquer que fosse para enxergar a telinha… e de repente a imagem sumia. Então alguém tinha corria até a antena, onde fica mexendo de um lado a outro e gritando:
‒ Tá bão?
‒ Tá só chuvisco! ‒ gritava alguém lá de dentro da báia.
‒ E agora?
‒ Tá bãoooo! Tá limpinho! – gritavam quase todos ao mesmo tempo.
E essa cena se repetiu por um longo tempo: sumia do sol, já íamos descendo ladeira para assistirmos a telinha chuviscada e preto e branca. Ficávamos ali por horas, admirando tudo e mesmo os comerciais nos encantavam.
Depois, igualmente a nossa báia foi agraciada pela eletricidade e, assim, nós adentramos ao mundo moderno. E tão logo chegou a luz elétrica, a gente também adquiriu um televisor, o qual foi colocado na estante, ao lado do rádio…e os aparelhos ficaram ali, um ao lado do outro, como se disputassem espaço…
Passados alguns anos, ali para o final dos anos 90, seguimos num êxodo rural para a pequena cidadezinha de Imbituva, onde tomamos contato com outras tantas coisas entre as quais diversas novas tecnologias. Entretanto, o rádio e a TV continuaram a produzir ruídos, os quais se somavam aos velhos barulhos de carroças e daquelas, ainda, barrigas vazias.
Créditos na imagem: Reprodução / Internet.
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Jeferson do Nascimento Machado
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