A Casa da História Europeia: conceito museológico, memória coletiva e reparação simbólica

0

A Casa da História Europeia é um museu da história da Europa, localizado em Bruxelas, na Bélgica. A inauguração ocorreu em 2017 como uma iniciativa do Parlamento Europeu, que funciona como uma unidade do Parlamento na Direção-Geral da Comunicação.

O processo de concretização do museu durou uma década. O museu foi concebido de raiz, não existiam coleções anteriores; apenas a ideia de uma casa dedicada à história europeia. O documento com as bases conceituais e museológicas do museu aponta a construção da Casa da História Europeia como um lugar para destacar a memória da história europeia e a história da unificação europeia (COMMITTE OF EXPERTS, 2008). Além disso, o documento ressalta a construção de um museu com independência acadêmica em relação ao Parlamento Europeu e que deveria ser acessível a todos, o que exigia que todas as 24 línguas da União Europeia deveriam estar representadas.

Ao visitante informado, com alguma experiência de ida a museus, mas não familiarizado com o conceito de Casa da História, pode parecer estranho que, num museu da Europa, o próprio projeto de unificação do continente, em elaboração ao longo de milênios, seja quase completamente ausente. Sucede-se que a ideia de uma Europa comum não deveria ser concebida como a soma de peças únicas, mas sim como um fenômeno europeu comum e transnacional.

O conceito museológico que permeia a oferta expositiva é a memória coletiva. A elaboração da exposição permanente é descrita como uma tentativa de tentar consolidar as memórias divergentes, aproximando todas num quadro único de memória europeia (SIMANSONS, 2018).

O conceito de memória é crucial para a compreensão do modo de apresentação da Casa da História Europeia. Logo no Piso 1 o visitante é confrontado com a questão introdutória: “se existe um passado europeu partilhado, uma comunidade pode apresentar a sua história sobre a qual um reservatório de memória europeia poderia ser construído?”.

A exposição parece iniciar propositadamente com o tema da memória, o que a eleva ao nível de superestrutura, princípio organizador e quadro em que funciona o museu. A memória como conceito, ligada a indivíduos e comunidades, e não a nações, revela-se um método útil de imaginação histórica para um museu supranacional, porque transcende efetivamente as restrições históricas nacionais com as histórias supranacionais.

Embora a memória individual seja indispensável ao nível da experiência pessoal, a memória coletiva une pessoas que não se conhecem, e a memória social, baseada em pontos em comum já partilhados, intensifica o processo pessoal de recordação, ampliando a disseminação da memória para além da experiência pessoal, incluindo a história familiar ou outros eventos compartilhados.

Poderíamos assumir que o conceito de memória coletiva e a reunião de objetos dizem respeito à história da Europa, para depois,  ao apresentá-los numa exposição, perguntar: eles permitem ou pretendem proporcionar uma reconciliação das memórias europeias? Os museus sustentam um potencial de acomodarem memórias europeias eventualmente divisivas. E entre lembrança e esquecimento, os objetos selecionados fornecem uma perspectiva diferente de compreensão do espaço europeu e, consequentemente, uma (re)interpretação da memória europeia.

Os museus de história sobre a Europa apresentam fatos, testemunhos, arquivos, obras ou objetos etnográficos e oferecem uma interpretação e contextualização de forma a explicar e justificar os fenômenos. Podemos falar sobre o envolvimento da memória coletiva e da reparação simbólica precisamente nesse enquadramento. A reparação pode ser pensada como um conceito multifacetado com pelo menos duas dimensões: uma material e outra simbólica (LAARMANN ET AL., 2023), uma vez que o “reparar” pretende manter visível ou tornar aparente as lesões, se necessário, e integrá-las na nossa compreensão do passado e do presente.

Ademais, as reparações materiais, no sentido de compensação, muitas vezes são insuficientes porque não conseguem resolver as injustiças estruturais que os perpetradores geraram. Portanto, as tentativas de reparação não são entendidas como um regresso a um estado original e ininterrupto, mas antes como um processo que implica prestação de conta e homenagem às vítimas antes infligidas por sofrimento.

As iniciativas de memorialização que incidem sobre memórias históricas coletivas apesar de conseguirem atingir níveis satisfatórios de reparação simbólica, também podem ser iniciativas polarizadoras. A atenção deve estar na polarização retórica que alinha os interesses dos grupos em torno de uma única clivagem social, enquanto suprime e reduz a importância de outras clivagens transversais.

 

 

 

 


Referências:

COMMITTEE OF EXPERTS. Conceptual Basis for a House of European History. European Parliament, 2008

LAARMANN, Mario; NDÉ FONGAND, Clément; SEEMANN, Carla; VORDERMAYER, Laura. Reparation, Restitution, and the Politics of Memory. A Methodological and Historical Introduction. De Gruyter, 2023.

SIMANSONS, Raivis. Europe’s Journey to Modernity: Developing the House of European History in Brussels. Tese (Doutoramento em Estudos de Museus). Universidade de Leicester, Inglaterra, 2018

 

 

 

 


Créditos na imagem: Retirada em: https://www.digitalavmagazine.com/pt/2017/06/06/la-casa-de-la-historia-europea-abre-sus-puertas-para-mostrar-su-legado-con-tecnologia-av/

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Amanda Moura da Costa

Estudante de Doutoramento em Património Cultural e Museologia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC). Mestre em Património Cultural e Museologia pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC).

No comments

Veja: