Iugoslávia e a resistência popular contra o Nazi-Fascismo

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Quando a máquina de guerra alemã expandiu-se para o leste da Europa, um dos alvos claros foi o Reino da Iugoslávia, que não teve chances em um confronto direto. A Operação 25, também conhecida como Invasão da Iugoslávia, teve início em 6 de abril de 1941 e terminou 11 dias depois, com a rendição incondicional do Exército Real da Iugoslávia em 17 de abril do mesmo ano.

A disparidade entre as forças do Eixo e o Reino da Iugoslávia foi evidente ao observarmos as baixas de cada lado. A Alemanha sofreu perdas quase insignificantes, enquanto os iugoslavos enfrentaram centenas de milhares de baixas civis e militares, além de centenas de milhares de prisioneiros, o que deixou claro que, apesar de seu grande território e efetivo de mais de 850 mil soldados e guerrilheiros, a nação não teve chance contra o Eixo.

Importante notar que o ataque do Eixo foi feito sem aviso prévio, contando com 51 divisões (24 alemãs, 22 italianas e 5 húngaras) e aproximadamente 1.500 aviões, destacando-se os aviões alemães com cerca de 500 bombardeiros escoltados por 250 combatentes. O ataque covarde à capital, Belgrado, resultou em dezenas de milhares de mortos somente no primeiro dia.

Entretanto, a maior conquista da Alemanha na Iugoslávia ocorreu em Belgrado, onde o comandante da 2ª Companhia do batalhão de motocicletas de reconhecimento “SS – Hauptsturmführer”, Fritz Klingenberg, junto com outros dez homens, tomou a cidade após um ataque inesperado, acelerando o fim da campanha dos Balcãs após 12 dias.

De acordo com o Coronel Fabijan Trgo, no Vojnoizdavčki Zavod, Belgrado, 1966: Após a derrota em abril, a Iugoslávia foi dividida entre os agressores fascistas. A Eslovênia foi repartida entre Alemanha, Itália e Hungria. A Sérvia e Banat foram tomadas pela Alemanha, enquanto os distritos fronteiriços da Sérvia foram entregues à Bulgária sob o rei Boris. A Itália ocupou ou anexou uma grande parte da Dalmácia, o litoral croata, Montenegro, Kosovo e Metohija. Bačka e Medjumurje foram tomadas pela Hungria de Horthy. A Macedônia foi compartilhada entre a Itália fascista e a Bulgária czarista.

Uma das consequências deste conflito foi o surgimento da Frente da Iugoslávia, formada por guerrilheiros partisans liderados pelo Marechal Josip Broz Tito e pelo Partido Comunista da Iugoslávia, com o apoio da União Soviética e da Bulgária, atuando até a libertação do país em 1944.

Em um boletim clandestino, datado de 8 de setembro de 1941, Tito denunciou o “Terror pelos bandidos fascistas” (TITO, 1966, p. 52-54), apontando os brutais crimes cometidos pelo Eixo contra sérvios, croatas e eslovenos em todo o país. Ele também expôs o governo fantoche alemão, liderado pelo traidor general Milan Nedić, que rapidamente se submeteu aos interesses fascistas e tornou-se primeiro-ministro da Sérvia.

Nedić esteve envolvido em crimes de guerra, incluindo o massacre de cinquenta sérvios em Belgrado, ocorrido em conjunto com soldados iugoslavos da sua gangue e os nazistas. Tito expressou seu ódio ao traidor, chamando-o de assassino e canalha, acusando-o de manchar a honra da nação iugoslava.

Ao longo da rubrica, Tito afirmou que o povo sérvio ainda responderá de forma adequada, como fizeram ao longo de sua história, a todos os traidores e colaboradores do regime fascista.

Conclui dizendo:

Este governo fantoche, encabeçado pelo ainda mais espúrio general Nedić, ameaça com massacres. Seu parceiro na traição, Pavelić, fez o mesmo, mas conseguiu o efeito oposto – o povo se levantou em massa contra esse traidor. O povo nunca apoiou bandidos e traidores e não o fará agora. Nećić ameaça matar o povo e nossa resposta a ele é que os partisans, junto com o resto do povo, extirparão seu bando tão impiedosamente quanto lidarão com seus mestres criminosos: os invasores alemães, italianos e outros. Sangue por sangue, morte por morte – esse é o nosso lema nesta luta de libertação popular geral. (TITO, 1966, p.52-54)

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha tratou os povos ocupados com extrema crueldade, especialmente aqueles do leste europeu, considerados pelo Nacional-Socialismo como os mais subumanos e cuja exterminação era vista como necessária para a expansão territorial no Lebensraum. Mesmo a neutralidade da Iugoslávia não foi suficiente para evitar a agressão dos nazistas e fascistas.

Nesse contexto, a resistência dos bravos guerrilheiros da Iugoslávia levou o próprio Marechal Tito a redigir o “Juramento feito por combatentes de destacamentos guerrilheiros” em 26 de setembro de 1941, onde ele expressou:

Nós, os partidários do povo da Iugoslávia,

pegamos em armas para travar uma luta implacável

contra os inimigos sanguinários

que escravizaram nosso país

e estão exterminando nossos povos.

Em nome da liberdade e da justiça para nosso povo,

juramos que seremos disciplinados,

perseverantes e destemidos,

que não pouparemos nem sangue nem vida na luta contra

os invasores fascistas

e todos os traidores do povo até que sejam

completamente aniquilados. (TITO, 1966, p. 31, tradução nossa)

Aqui se destaca a essência dos partisans da Iugoslávia. Além do juramento dos guerrilheiros, houve também suas tarefas antes da formação dos Destacamentos Partidários de Libertação Popular, que foi escrito pelo próprio Marechal Tito em agosto de 1941. No “Boletim” do HO Geral dos Destacamentos Partidários de Libertação Popular, Tito expressou o seguinte:

  1. Os Destacamentos Partidários de Libertação Popular em todas as regiões da Jugoslávia (Sérvia, Croácia, Eslovénia, Montenegro, Bósnia e Herzegovina, Macedónia, Voivodma, Sandžak e Dalmácia) têm como principal objetivo a libertação dos povos da Jugoslávia dos invasores e a luta contra os agentes locais dos invasores que os estão ajudando a oprimir e aterrorizar nosso povo.
  2. O maior inimigo da liberdade e independência de nosso povo é o fascismo alemão, seguido por todos os outros parasitas fascistas saqueadores em todo o país. É, portanto, o dever de todos os patriotas lutar implacavelmente até a aniquilação completa desses bandos fascistas.
  3. Os Destacamentos Partidários são chamados de Destacamentos Partidários de Libertação Popular porque não são unidades combatentes de nenhum partido político em particular – nem neste caso específico do Partido Comunista, independentemente do fato de que os comunistas estejam lutando nas fileiras da frente; ao contrário, são unidades de combate dos povos da Iugoslávia, às quais devem se unir todos os patriotas capazes de portar armas contra os invasores, independentemente de suas convicções políticas.
  4. Os Destacamentos Partidários têm inúmeras tarefas a cumprir na luta comum contra os inimigos do nosso povo. Eles devem destruir todos os objetos de uso para os invasores fascistas: ferrovias, pontes, fábricas, oficinas, munições e depósitos de armas. Eles devem usar todos os seus poderes para impedir que o inimigo confisque grãos, gado e outros alimentos dos camponeses. Grãos requisitados, gado e outros suprimentos alimentares devem ser retirados do inimigo pela força e distribuídos entre o povo, sendo retida a quantidade necessária para abastecer os destacamentos. Os Destacamentos Partidários devem impedir a cobrança de impostos e outras taxas, pois esse dinheiro é usado pelos invasores para continuar sua guerra de conquista e subjugar o povo.
  5. Os Destacamentos Partidários devem defender, pela força das armas, aldeias, cidades e outros assentamentos dos ultrajes fascistas. Eles devem proteger a propriedade do povo de ser saqueada pelos invasores.
  6. Os Destacamentos Partidários devem destruir as unidades fascistas sempre que as encontrarem. Particularmente matar oficiais, homens da Gestapo, Camisas Negras e assim por diante. Eles também devem ser implacáveis ​​em aniquilar seus capangas locais, traidores do povo de várias categorias e provocadores, agentes que estão entregando em grande número os melhores filhos de nosso povo aos carrascos fascistas, servindo o ocupante como cães fiéis e aterrorizando o povo .
  7. Os Destacamentos Partidários devem ser incansáveis em estimular a resistência do povo, suscitando insurreições entre o povo e colocando-se à sua frente como núcleo duro militante. A experiência da guerra partidária até agora demonstrou que a questão do levante nacional foi negligenciada; é, portanto, necessário corrigir esta falha sem demora para que os partisans não se isolem das massas que estão prontas para lutar por sua justa causa.
  8.  A linha política dos Destacamentos Partidários deve ser: a Frente Antifascista de Libertação Popular de todas as nacionalidades da Iugoslávia, independentemente de crenças políticas ou religiosas.
  9.  Não deve haver exclusividade na formação de Destacamentos Partidários; as oportunidades de ampla iniciativa na formação de Destacamentos Partidários devem ser deixadas em aberto. Uma vez formados, os Destacamentos Partidários devem ser imediatamente vinculados aos QGs locais e regionais e colocados sob seu comando.
  10. QGs e comandantes devem estar alertas para que o inimigo não se infiltre espiões e agentes provocadores nas fileiras dos partisans. Se eles aparecerem, eles devem ser fuzilados imediatamente e seus nomes publicados.
  11. Os QGs e comandantes dos Destacamentos Partidários devem vigiar atentamente a disciplina nos destacamentos. Pilhagem, traição ou outra violação da disciplina devem ser punidos severamente.
  12. Os quartéis-generais devem ser responsáveis pelo abastecimento dos combatentes, pelo seu equipamento, etc. O abastecimento alimentar deve ser organizado em conjunto com os Comités da Frente Popular de Libertação, que tem a tarefa de arrecadar para o Fundo Popular de Libertação. Onde tais Comitês ainda não existem, as provisões devem ser garantidas por pagamento em dinheiro ou como contribuições voluntárias de camponeses e outros cidadãos.
  13. Todos os Destacamentos Partidários e seus HOs, da Croácia, Sérvia, Eslovênia, Montenegro, Bósnia e Herezegovina, Voivodina, Dalmácia, Macedônia e Sandžak, estão sob o comando supremo do QG dos Destacamentos Partidários de Libertação Popular da Iugoslávia.

Os QGs devem estar bem ligados uns aos outros para fins de coordenação de batalha e condução bem-sucedida das operações.

  1. Os HOs e comandantes devem ser responsáveis ​​por garantir que os feridos e doentes recebam os cuidados médicos adequados em termos de pessoal e suprimentos.
  2. À medida que a insurreição das massas se espalha e se desenvolve, os comandos necessários serão estabelecidos; é, portanto, essencial que os QGs e comandantes estejam atentos a comandantes e comissários testados e comprovados, que possam liderar as massas insurgentes.
  3. Onde quer que as circunstâncias estratégicas e outras sejam favoráveis, unidades militares de grande escala podem, quando necessário, ser formadas pela fusão do número de Destacamentos Partidários a fim de facilitar a condução de grandes operações. (TITO, 1966, p. 48-51, tradução nossa)

Percebe-se claramente a importância da rigorosa organização das tarefas antes de iniciar os Destacamentos dos Partidários da Libertação Popular. Sem essas obrigações, enfrentariam sérios problemas ao lidar com o invasor nazi-fascista e os traidores da Iugoslávia, como Milan Nedić. Evitando qualquer pretexto falso, como a morte de um “suposto” alemão em Belgrado que custou a vida de 50 sérvios, Tito não arriscaria ver seu povo, seus partisans e sua nação manchados de sangue em vão.

A bandeira da guerra de libertação nacional contra as forças de ocupação, levantada pelo Partido Comunista Iugoslavo em 1941, foi também a bandeira da guerra pela liberdade nacional e pela igualdade de cada nacionalidade na Iugoslávia. É a mesma bandeira que o Partido Comunista desde a formação da Iugoslávia, que lutou intransigentemente para que cada uma de nossas nacionalidades pudesse gozar da liberdade e da igualdade nacionais… (TITO, 1942, p. 132)

A Luta de Libertação Popular foi, desde o início, de caráter iugoslavo e ao mesmo tempo visava a libertação de todos os povos que viviam na Iugoslávia.

O marechal Tito publicou um artigo na Proletária em dezembro de 1942 (TITO, 1966, p. 126-130), no qual explicou o crescente avanço da resistência contra o Nazi-fascismo na Iugoslávia, que alcançou proporções inimagináveis. A cada nova formação militar organizada e vitórias conquistadas, a luta exigia flexibilidade para enfrentar os invasores.

Nesse período, devido ao grande número de traidores, inclusive contra a Luta de Libertação Popular, Tito lembrou a todos quem era o verdadeiro inimigo. Ele destacou que, mesmo com uma grande massa de combatentes unidos contra os invasores, os membros do Partido Comunista eram lentos em revelar o papel nocivo e traiçoeiro desempenhado pelos vira-casacas individuais ou grupos de traidores de maneira gradual e sutil.

Tito exalta que a Luta de Libertação Popular não se resume apenas a uma causa comunista, mas é uma luta contra o invasor que massacra a nação, incluindo os não-comunistas que se recusam a contribuir na resistência, caindo no discurso oportunista e reacionário dos nazi-fascistas. O conflito não é sobre os comunistas desejarem se agarrar ao poder, mas sim uma luta contra os criminosos que devem ser expurgados da Iugoslávia.

A principal tarefa é prosseguir com uma luta implacável contra o fascismo e seus geradores, de modo que os comunistas devem trabalhar corretamente para manter a confiança já conquistada pelo Partido. Esse conflito não se limita aos membros e apoiadores do partido, mas inclui todos os cidadãos da Iugoslávia.

A resistência da Luta de Libertação Popular liderada pelos partisans alcançou resultados astronômicos em comparação com a situação do país após a humilhante derrota contra o Eixo. A Iugoslávia em setembro de 1943, cerca de dois anos e cinco meses após a ocupação do Eixo, a Alemanha estava em seu momento mais frágil devido à forte contraofensiva soviética, especialmente após a derrota na Batalha de Kursk (5 de julho a 23 de agosto de 1943), que resultou na decisiva vitória soviética e no fim das ofensivas alemãs na Frente Oriental.

A máquina de guerra soviética, com milhões de soldados do exército vermelho, estava pronta para exterminar até o último dos soldados alemães, o que enfraqueceu os esforços de guerra alemães em manter os territórios conquistados no Leste Europeu.

Diante da iminente derrota alemã e do avanço soviético, era notável que a Luta de Libertação Popular da Iugoslávia, representada pelo Exército Popular de Libertação, já contava com cerca de quarenta divisões e mais de 350.000 combatentes em setembro de 1943.

No final de 1944, o Exército Popular de Libertação da Iugoslávia havia completado a libertação da Sérvia e da Macedônia, e também libertou Montenegro e Dalmácia do domínio do Eixo.

O Coronel Fabijan Trgo, em seu “Levantamento da Guerra de Libertação Popular” de 1966, destacou:

Assim, os povos da Iugoslávia encerraram triunfantemente sua guerra de libertação e revolução de quatro anos e efetuaram uma virada histórica nos anais de seu país. Seus sofrimentos foram agonizantes e seus sacrifícios enormes: cada nono iugoslavo havia perdido a vida lutando contra os invasores fascistas e traidores locais. O país foi devastado, aldeias e cidades inteiras devastadas; mais de 25 por cento da população ficou sem teto sobre suas cabeças. A economia estava paralisada, 84% dos meios de transporte foram destruídos, estradas e ferrovias destruídas. Pode haver maior testemunho do heroísmo dos povos iugoslavos e sua contribuição para a vitória sobre as potências fascistas do que as figuras que falam de seus tremendos sacrifícios humanos e materiais?. (TRGO, 1966)

Após a vitória triunfante dos povos da Iugoslávia, em 2 de dezembro de 1945, foi estabelecida a República Socialista Federativa da Iugoslávia. Ivan Ribar assumiu como o primeiro presidente do novo Estado, com Josip Broz Tito ocupando o cargo de primeiro-ministro.

 

 

 


REFERÊNCIAS:

TITO. Josip Broz. Selected Military Works. Vojnoizdavčki Zavod, Belgrade, 1966. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/tito/index.htm. Acesso em: 24. jul. 2023.

TRGO, Fabija. Survey of the People’s Liberation War. Vojnoizdavčki Zavod, Belgrado, 1966. Disponível em: https://www.marxists.org/subject/yugoslavia/trgo/survey-peoples-liberation-war/ch01.htm. Acesso em: 24 jul. 2023.

TSE-TUNG, Mao. Speeches At The Second Session Of The Eighth Party Congress. In: TSE-TUNG, Mao. Selected Works of Mao Tse-tung. 1958. Disponível em: https://www.marxists.org/reference/archive/mao/selected-works/volume-8/mswv8_10.htm Acesso em: 25 mai. 2022.

 

 

 


Créditos na imagem: Flag designed by Đorđe Andrejević-Kun/Domínio Público.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

César Alexandre da Silva Aprile

Sou César Alexandre da Silva Aprile, formado em História Licenciatura pela Universidade Cidade de São Paulo(UNICID) e pós-graduado em Psicopedagogia, pela mesma instituição.

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