A metáfora do fascínio, do vaga-lume e da fogueira: uma apresentação

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Neste ano de 2020, durante a quarentena e a incerteza frente à retomada das aulas na pós-graduação, voltei a um texto muito importante na minha formação de professora. Confesso que o meu Estágio Docência do doutorado foi o que mais me motivou. O Programa de Pós-graduação em História da UFOP nos proporcionou a possibilidade do cumprimento desses estágios de maneira remota, por meio da produção de materiais e de comentários que pudessem de alguma forma, dialogar, e até mesmo contribuir, com a disciplina no próximo período. Meu estágio docência está relacionado à disciplina Ensino de História, com o professor Marcelo Rangel, na qual o texto Depois de Depois de aprender com a história, de Hans Ulrich Gumbrecht, abre as discussões presentes nas aulas.

Ao iniciar a releitura, deparei-me com o conceito de fascinação apresentado por Gumbrecht e nele fiquei por algum tempo. Não me julguem por isso, a quarentena me imputou uma estranha sensação de “tempo estendido”, e ainda que os dias tivessem as mesmas 24 horas de sempre, acabava me prolongando nas leituras e nas divagações que delas saiam sem muita preocupação. Em 2009, Hans Ulrich Gumbrecht fez a sua primeira visita às cidades de Ouro Preto e Mariana. Na ocasião, o autor alemão perguntava-se pela funcionalidade da história e da historiografia. Andar pelas ruas ouropretanas, conhecer os museus e ouvir diferentes histórias inerentes aos séculos XVIII e XIX levou o autor ao sentimento de fascínio, mas não de aprendizado. Fascínio, como Gumbrecht mesmo destaca, diz respeito à atração, à impossibilidade do afastamento frente a algo que “não tem motivo ou razão prática”.[1]

A ideia de atrair-se por algo que não tem motivo ou razão prática me remeteu a uma metáfora com vaga-lumes que certa vez encontrei em uma série brasileira. Os vaga-lumes, apaixonados pela luz da fogueira, aproximam-se cada vez mais do brilho mesmo sabendo que isso tende a queimá-los. Não sei se um vaga-lume hesita antes de se queimar e morrer, mas há sempre uma beleza em tudo isso, e em determinado momento é possível observar uma dança maravilhosa entre os vaga-lumes e o fogo. Gumbrecht estava fascinado pela história de Ouro Preto e embora o seu fascínio fosse infinitamente mais seguro do que o fascínio do vaga-lume pela fogueira, não conseguia se afastar dessa ideia do risco frente a um ente que atrai.

O autor alemão volta-se, neste texto já citado, especialmente ao fascínio da história na atualidade. Chama atenção para o interesse cada vez maior por filmes, séries, museus, livros e jogos eletrônicos com temáticas histórias, e, em contrapartida, ao consequente desinteresse cada vez mais evidente pela disciplina histórica. Curioso pensar que em 2009, ano em que o autor visitou as cidades de Ouro Preto e Mariana, ainda não vivíamos, pelo menos não aqui no Brasil, uma popularização tão forte dos mecanismos de comunicação. Temos hoje um número muito maior de canais no youtube e assinantes de plataformas como a Netiflix, por exemplo. Talvez o fascínio pelo passado tenha aumentado significativamente desde a palestra do professor alemão, mas, podemos também concluir, que a história enquanto disciplina é cada vez mais atacada. Do contrário, como explicaríamos as manifestações favoráveis a golpes militares independentemente das aulas e dos livros de história que pontuam a importância da democracia?

Os desafios enfrentados pelos professores na sala de aula são cada vez maiores, fica cada vez mais difícil chamar a atenção para os capítulos dos livros didáticos. Não estaríamos fascinados pela afirmação constante de determinado modelo de História que não ensina mais? Por quanto tempo insistiremos nessa aproximação e fogueira? Se para os professores, o aprendizado e o ensino de história tornam-se cada vez mais desafiadores, para os estudantes não é diferente. Com o crescimento de artistas pretos no mercado, a arte parece se posicionar e construir também a nossa história. Com a entrada de alunos cotistas na Universidade, assim como o acesso ao feminismo até mesmo nas escolas de ensino básico, não é de se estranhar a cobrança por uma história que represente cada vez mais. Reivindicam mais representatividade, mais amor, arte e experiência, e como poríamos culpá-los? Talvez seja o momento de cedermos um pouco mais e de nos permitirmos aprender, dialogar, e porque não brincar de fazer arte também.

O momento é de pandemia e de medo, mas por que não aproveitar as divagações e a sensação de “tempo estendido”? Por que não compartilhar todo o material construído no estágio em uma coluna de Ensino de História? Por que não produzir crônicas literárias, ensaios, e entrevistas com professoras(es) dispostas(os) à reinvenção, à arte, ao enfrentamento de crimes e preconceitos? Por que não conhecer a história que os nossos colegas ensinam? Por que não conversar um pouco mais, expor os problemas, admitir nossas limitações e tentar ganhar o interesse de um aluno por vez? É claro que começaremos errando, é claro que não estará perfeito, mas se me permitem lembrar o poeta, continua valendo à pena se alma que não é pequena. E por fim, pensemos, talvez juntos consigamos resistir um pouco mais, um conjunto de luzes amarelas, ou quem sabe de luminárias coloridas, há de nos cair muito melhor do que a fogueira. Procuremos um novo brilho dessa vez!

 

 

 


REFERÊNCIAS

GUMBRECHT, Hans Ulrich. “Depois de Depois de aprender com a história”. Conferência de abertura do III Seminário Nacional de História da Historiografia- “Aprender com a História”. Mariana (MG). Agosto de 2009.

 

 

 


NOTAS

[1] GUMBRECHT, Hans Ulrich. “Depois de Depois de aprender com a história”. Conferência de abertura do III Seminário Nacional de História da Historiografia- “Aprender com a História”. Mariana (MG). Agosto de 2009.  p. 32.

 

 

 


Créditos na imagem: Lights and Canvas- “Fireflies in the Night” (Event by Art Studio 27) / Reprodução disponível em: https://artstudio27.com/event/lights-and-canvas-fireflies-in-the-night/

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Ana Paula Silva Santana

Doutoranda em história no programa de pós graduação em história da Universidade Federal de Outro Preto (PPGHIS-UFOP). Mestre pela Universidade Federal de Ouro Preto. Bolsista CAPES. Graduada em história licenciatura pela Universidade Federal de Ouro Preto. Graduada em História Bacharelado pela Universidade Federal de Ouro Preto. Integrante do Núcleo de Estudos de História da Historiografia e Modernidade (NEHM). Integrante do Grupo de História Ética e Política (GHEP). Editora Colaboradora da Revista HHMagazine- Humanidades em Rede. Pesquisadora vinculada à linha de pesquisa Poder, Espaço e Sociedade do PPGHIS -UFOP. Interesses:Teoria da História, Gênero, Romantismo Brasileiro, História do Brasil Império

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