Por autoras negras nas salas de aula

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Episódio de hoje: O que aprendi com Chimamanda Nagozi Adichie

 

Precisamos conversar: Entenda, o racismo nos destrói de maneira muito particular, ele nos convence de nossa inferioridade. Uma aluna negra tende a não acreditar prontamente em suas capacidades intelectuais, não fomos política e socialmente educadas para isso, e se você quer que a sua aula seja de fato transformadora para ela você precisa deixá-la reconhecer-se na bibliografia. Não se trata de uma acusação aos autores europeus, pelo contrario, não vejo problema nenhum em permanecer citando muitos deles, mas também não se trata de um presente ou de uma doação. Representatividade importa, representatividade é sobre justiça e direito! A minha coluna trabalha o enfrentamento de crimes e preconceitos, e a utilização das artes no Ensino de História, por isso reservei alguns “Episódios” à literatas negras. Quem sabe uma delas possa estar na sua próxima aula, e se não for o caso, quem sabe você se disponha a procurar e a encontrar uma autora preta essencial à sua bibliografia, existem várias… S2

 

 

A minha professora de inglês é maravilhosa e eu recomendo sua aula a qualquer pessoa, mas é incrível como algumas palavras continuam a não fazer sentido em minha mente estranha, acho que faz parte do processo e tudo bem, desistir é que eu não vou, porque uma sujeita capaz de decorar tantos diálogos de Friends não será vencida pelo inglês. No entanto, este texto não diz respeito à minha mente estranha e nem mesmo às séries norte-americanas da década de 90, quero falar sobre a aula de inglês responsável pela apresentação de uma das escritoras mais incríveis que pude ler na minha vida: Chimamanda Nagozi Adichie. Uma literata nigeriana, conhecida por obras como Hibisco Roxo e Meio Sol Amarelo, e pela palestra “The Danger of a single story” (O perigo de uma história única). Esta autora inspiradora me foi sugerida em uma quarta-feira de manhã, pela minha professora de inglês. Eu deveria assistir ao vídeo, calmamente, ao mesmo tempo em que tentava transcrever o que entendia. Agora veja bem, a aula era de inglês, eu precisava estudar e a minha professora foi sensível em escolher o método, e em colocar diante de mim a palestra mais engraçada e emocionante que já assisti. Resultado: precisei assistir à palestra mais de uma vez, e de quebra inseri o nome de Chimamanda Adichie não apenas na bibliografia da minha tese e nos estudos da lingua inglesa, como também na minha concepção de racismo, violência de gênero e feminismo.

Após essa palestra, decidi ler outra obra de Chimamanda intitulada por Sejamos todos feministas, livro este que recomendo a absolutamente todas as pessoas que conheço, e às que não conheço também. Pois bem, neste livro a autora disserta sobre a inserção da palavra feminista em sua trajetória, fala sobre determinados preconceitos de gênero vivenciados por ela e por outras mulheres que conhece. Questiona tanto a educação que damos aos meninos, majoritariamente criados para serem frágeis, quanto às meninas, quase sempre criadas para lidarem com a fragilidade masculina. Afinal, como ressalta Chimamanda, podemos pensar em afirmações frequentes como: “Assim você irá intimidar os homens!”, ou então, “Eu fiz isso porque queria paz no meu casamento!”… Sobre este ultimo exemplo, você já se deu conta de que frases assim, quando faladas por homens, geralmente significam algo como: “deixei de beber todos os dias” ou “parei de jogar bola nos fins de semana”, e que, em contrapartida, quando ditas por mulheres, quase sempre significam: “abandonei minha carreira ou então os meus sonhos pessoais”? Mas entenda, o problema colocado por Chimamanda nestas questões não se refere ao relacionamento, e sim à necessidade do companheirismo e do feminismo na vida de todas as pessoas, mulheres e homens, dispostas a uma igualdade de gênero.

E isso não é tudo, há ainda outras duas lições muito importantes que adquiri com este livro e que gostaria de destacar neste momento. A primeira é que aprendi com esta autora incrível “a nunca mais me desculpar por ser uma mulher negra”. E mesmo que inconscientemente, quantas vezes nos desculpamos pelo nosso gênero e raça? Quantas vezes nos arrependemos de ter corrigido alguém por conta de uma expressão racista ou machista? Quantas vezes justificamos nossas realizações como se não as merecêssemos? Quantas vezes já trocamos de roupa ou deixamos de usar determinado batom para nos sentirmos mais respeitadas? E é exatamente na escolha do batom e na escolha da roupa que encontrei o segundo e mais interessante ensinamento de todo esse livro. Alerta para um pequeno spoiler, caso prefira, sinta-se à vontade em parar por aqui.

Você acredita que até mesmo uma escritora e palestrante incrível como Chimamanda sentiu-se intimidada em sua primeira aula para uma turma de pós-graduação? E que mesmo querendo muito usar uma saia e um bonito batom decidiu colocar um terninho que ela descreve como “bem masculino, feinho e careta”? Vamos esclarecer o ponto principal desta questão, o problema não é o terno, até mesmo porque alguns ternos são maravilhosos e ficam extremamente estilosos com o sapato certo, a questão colocada está exatamente no motivo de sua escolha. Chimamanda colocou um terninho para aquela aula porque se sentiu intimidada, acreditou que apenas assim seria ouvida, e ainda pontuou: “Quando um homem vai a uma reunião de negócios, não lhe passa pela cabeça se será levado a sério ou não dependendo da roupa que vestir — mas a mulher pondera.” (ADICHIE, 2014, p.55) Após esta reflexão, Chimamanda concluiu que deveria ter escolhido a saia. Obrigada Chimamanda, não vou me esquecer, quando for me apresentar na minha próxima (ou primeira rsrs) conferência, aula ou simpósio temático, usarei o vestido mais bonito que estiver no meu armário, aquele que a minha mãe fez com tanto carinho para mim, e se quer saber, me recuso a me desculpar por esta garfie. O meu corpo e as minhas regras estarão gritando neste dia.

 

 

 


REFERÊNCIAS

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. São Paulo, Companhia das Letras, 2014.

TED. Chimamanda Adichie: O perigo de uma história única. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=D9Ihs241zeg . Acesso em 26 de janeiro de 2021.

 

 

 


Créditos na imagem: Chimamanda Ngozi Adichie. | Foto: Divulgação Ted Talk.

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Ana Paula Silva Santana

Doutoranda em história no programa de pós graduação em história da Universidade Federal de Outro Preto (PPGHIS-UFOP). Mestre pela Universidade Federal de Ouro Preto. Bolsista CAPES. Graduada em história licenciatura pela Universidade Federal de Ouro Preto. Graduada em História Bacharelado pela Universidade Federal de Ouro Preto. Integrante do Núcleo de Estudos de História da Historiografia e Modernidade (NEHM). Integrante do Grupo de História Ética e Política (GHEP). Editora Colaboradora da Revista HHMagazine- Humanidades em Rede. Pesquisadora vinculada à linha de pesquisa Poder, Espaço e Sociedade do PPGHIS -UFOP. Interesses:Teoria da História, Gênero, Romantismo Brasileiro, História do Brasil Império

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