MICHAL ZOUREK: ČESKOSLOVENSKO OČIMA LATINSKOAMERICKÝCH INTELEKTUÁLŮ, 1947-1959 (A TCHECOSLOVÁQUIA NO OLHAR DOS INTELECTUAIS LATINOAMERICANOS, 1947-1959), PRAGA: RUNA, 2018, p. 303.

 

Este livro constitui um dos principais títulos da produção da historiografia iberoamericana tcheca (e eslovaca) depois do ano 1989. Os estudos iberoamericanos tchecos, hoje em dia liderados pelo Instituto dos estudos iberoamericanos na Faculdade das Artes (na Universidade Carolina) em Praga, foram tradicionalmente associados com o projeto internacional de socialismo e comunismo do pós-guerra. Na época de pós-guerra, recebia bastante estímulos, não só do comunismo internacional europeu e soviético mas também a partir dos regimes, movimentos e partidos socialistas e comunistas do Terceiro mundo. Na Tchecoslováquia, nos anos 1950 e 1960, surgiram traduções dos escritores como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Raul d´Ávila Pompéia e muitos outros.

A obra de Michal Zourek é uma obra representante de uma geração nova (Matyáš Pelant, Linda Kundrátová, Markéta Křížová, Jan Němec, Lucia Majlátová e outros) cujo pensamento não tem como ponto de partida o discurso ideológico marxista-leninista do bloco soviético, mas percebe a interação dos intelectuais latinoamericanos da esquerda dos anos 1950 e 1960 com certo distanciamento crítico. Não é de estranhar que a maior parte destes autores é constituída por cientistas políticos. Neste aspecto, a obra de Zourek é excepcional. No contexto da produção contemporânea ela é muito rara,  porque depois do ano 1989 os estudos iberoamericanos tchecos passavam – por causa da desmontagem do bloco comunista – por certo declínio.

O livro de Zourek se dedica ao assim chamado turismo político dos intelectuais latinoamericanos ao Leste Europeu, iniciado logo depois da revolução bolchevista (1917), e decorreu não só da curiosidade, mas também do desejo de pertencer a onda comunista internacional. Os intelectuais tchecos (Ivan Olbracht, Marie Majerová, Julius Fučík, Vítězslav Nezval e outros) também viajaram à URSS. Na maioria das vezes, estes turistas políticos conservaram os testemunhos na forma dos livros (John Reed,1919; Walter Benjamin, 1927). Alguns destes testemunhos foram também críticos e negativos (André Gide, 1937; Jiří Weil, 1937) – nomeadamente os autores do meio anglo-saxónico – mas o turismo político latinoamericano ao Leste Europeu e à URSS até agora não foi suficientemente pesquisado e está esperando por uma análise mais profunda (p.16).

No início, as relações dos intelectuais latinoamericanos ao meio soviético e Leste Europeu foram entusiasmadas (peruanos César Vallejo, 1928 e Victor Haya de la Torre, 1931; Mexicanos Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros, 1927 e outros.) e a frequência das visitas ainda aumentou depois da Segunda Guerra mundial.  Foram os escritores os grandes nomes da literatura mundial. A reflexão da URSS e Leste Europeu variava (os panfletos panegíricos sobre o estalinismo da virada dos anos 1940 e 1950, reportagens políticas,  livros de viagem sobre cultura ou livros criticando o realismo socialista a partir dos meados dos anos 1960 até os anos 1980). O livro de Zourek mapeia só um período desta produção (1947-1956) entre o início da Guerra Fria e Revolução Cubana, i.e. período que o historiador Pascal Ory definiu como “guerra fria dos intelectuais comunistas” (na época USSR se destacou com um grande prestígio). O que contribuiu significativamente para a entrada dos intelectuais latinoamericanos no campo de batalha comunista foram dois fatores: – a guerra cívica espanhola (1936-1939) e – movimento anti-fascista. A situação mudou depois da morte do Estaline (1953), XX reunião do partido comunista da URSS e depois da repressão da revolução na Hungria (1956). Foi um divisor de águas. A crença foi substituída pela desilusão. Além disso surgiu um novo ídolo: Fidel Castro de Cuba. Assim começou um novo capítulo das relações entre a esquerda latinoamericana e Leste Europeu socialista.

Tem bastante material escrito sobre as estadias dos intelectuais latinoamericanos no Leste Europeu. Apesar de que o objetivo principal deles foi Moscou e URSS, a maioria deles também visitou Praga e Tchecoslováquia. Esses lugares foram frequentemente vistos como uma ponte imaginária entre Europa ocidental e União soviética. Sabendo disso, temos que levar em consideração que a Tchecoslováquia foi também um grande centro das organizações internacionais – por exemplo, as imigrações políticas grega, macedónia, italiana, espanhola, portuguesa ou jugoslava.1 A visita de outros países do Leste Europeu foram geralmente uma exceção. Jugoslávia ficou fora do interesse.

O livro de Zourek é composto da introdução (p.11-61) e 14 capítulos, dos quais cada um se dedica a  um intelectual específico (Ricardo A. Latcham, p. 63-75; Jorge Amado, p. 77-93; Jesualdo Sosa, p. 107-117; Pablo Neruda, p. 119-141; Graciliano Ramos, 143-154; Efraín Huerta, p. 157-163; Luis Suárez, p. 165-177; Alfredo Gravina, p. 179-195; Raúl Gonzales Tuñón, p. 197-217; Gabriel García Marquéz, p. 219-237; Carlos Fonseca, p. 239-243; Ernesto Malbec, p. 245-256; dois capítulos sobre cubano Nicolás Guillén, p. 95-104 e p. 259-266). O último capítulo (“Ztráta iluzí, očista a nový začátek”/Perda das ilusões, purgação e o novo início) serve de encerramento do livro e descreve a evolução do pensamento acima mencionado nos livros posteriores. O livro contém muitas fotos, é encerrado com os abstracts em inglês e tcheco. O autor colaborou com Paloma Amado, pesquisou no arquivo da família de Jorge Amado e gozou do apoio do governo argentino.

Os intelectuais tratados no livro podem ser vistos e classificados segundo vários critérios. Seguindo o critério geográfico, encontramos autores caribenhos/centroamericanos (Nicolás Guillén, Cuba; Efraín Huerta a Luís Suárez, Mexico; Carlos Fonseca, Nicaragua) e autores sulamericanos (Ricardo A. Latcham, Chile; Raúl González Tuñón a Ernesto Malbec, Argentina; Jesualdo Sosa, Uruguai; Pablo Neruda, Chile; Gabriel García Marquéz, Columbia; Alfredo Gravina, Uruguai; Jorge Amado e Graciliano Ramos, Brasil). Podemos diferenciar os autores em hispanoamericanos e autores da língua portuguesa (Jorge Amado, Graciliano Ramos), segundo uma percepção mais ou menos otimista ou crítica da realidade russa ou tchecoslovaca (obra de Graciliano Ramos). A Viagem está escrita na língua neutra, com um tom seco, essa perspectiva mais objetiva encontramos também no argentino Ernesto Malbec) segundo frequência das viagens ou número das reportagens (Ricardo A. Latcham escreveu sete reportagens das viagens dele pela Tchecoslováquia) ou segundo afiliação partidária (Ricardo A. Latcham não foi comunista, Nicolás Guillén nunca se afastou de Moscou), ou segundo o pertencimento às delegacias oficiais (Gabriel García Márquez viajava sem recursos oficiais, reportagens dele tem um tom mais irónico e parecem ser mais objetivas).

A maioria dos autores tratados neste livro foram membros dos partidos comunistas, e geralmente, viajaram ao Leste Europeu na base do convite oficial. A maioria deles foi envolvida no movimento de paz, i.e. faziam parte do discurso típico para o bloco soviético, já a partir dos anos 1920. Depois da Segunda Guerra Mundial, este discurso ganhou uma nova característica. Nas competições de militarização URSS não conseguiu competir efetivamente com os EUA, e por isso cultivou o discurso de paz – segundo Zourek o significado simbólico da paz definiu toda política exterior do Nikita Khrushchov (p. 25). Zourek considera movimento de paz “o ato mais bem-sucedido de Moscou no campo da propaganda cultural na época da Guerra Fria”. Este movimento organizou os congressos mundiais em Wroclaw (1948) e o 1° congresso mundial dos defensores da paz em Paris e depois em Praga. O segundo congresso ocorreu em Varsóvia (1950), onde também nasceu o Conselho Mundial da Paz, que tinha sua sede primeiro em Paris e mais tarde em Viena. Esta organização tinha laços estreitos com o movimento comunista, 90% dos recursos financeiros dela vinham da URSS, e o seu apogeu atingiu já antes do ano 1956 (depois da época da Guerra da Coreia, 1950-1953). Foi justamente por causa dessa instituição que os intelectuais latinoamericanos podiam (a partir do fim dos anos 1940) viajar com frequência a Europa. Frequentemente foram alojados nos hotéis de luxo com os guias linguística e perfeitamente equipados. Os programas de estadias deles envolviam visitas às livrarias, bibliotecas, escolas, universidades, museus, teatros, entrevistas com os representantes da vida cultural e política. Os fatos apresentados pelos anfitriões foram por eles recebidos sem muita crítica (Zourek não esquece de lembrar a existência das exceções como por ex. Graciliano Ramos). Não precisamos lembrar que a produção literária latinoamericana foi, nestes países, representada quase exclusivamente pelos escritores comunistas. Na Tchecoslováquia publicaram já antes do golpe comunista (fevereiro 1948). Isso teve certo efeito na autoestima deles, mas por outro lado o lucro financeiro destes projetos era mais baixo do que tinham esperado (com frequência foram pagos na moeda local inutilizável no exterior). Neste aspecto, uma situação muito interessante foi a de Jorge Amado, que passou dois anos na Tchecoslováquia.

Zourek chama atenção também aos lugares de encontro dos intelectuais latinoamericanos na antiga Tchecoslováquia. É que este país começou a fazer papel de encontros: Nicaragues Jesualdo Sosa até intitulou um dos capítulos do livro dele (Mi Viaje a la URSS)  América se encuentra en Praga (p. 47).  Aqui, Sosa menciona o palácio Dobříš, localizado perto de Praga, como lugar importantíssimo nos encontros dos latinoamericanos. Quem passou mais tempo aqui foi Jorge Amado,  cuja estadia é bastante documentada neste livro,  contém também muitas fotos. O lugar de encontros em Dobříš foi um palácio que passou a ser a propriedade do estado em 1945 (antes foi propriedade da família aristocrata Collorado-Mansfeld). Este palácio se tornou propriedade do sindicato dos escritores tchecoslovacos e logo depois virou símbolo da política oficial da cultura da Tchecoslováquia comunista. Foi um dos centros culturais do mundo comunista,  onde se encontravam realizadores dos filmes, escritores, poetas, arquitetas, pintores e também políticos. Se a Casa de las Américas de La Havana foi a instituição típica do comunismo internacional dos anos 1960, nos anos 1950 foi o palácio de Dobříš. Quem pode ser a melhor testemunha desses encontros é mulher de Jorge Amado, Zélia Gattai, autora do livro Jardim do Inverno, onde ela descreve detalhadamente a vida dela e da família na Tchecoslováquia. Vários autores latinoamericanos eram conhecedores da cultura tchecoslovaca (por ex. Argentino Alfredo Varela). Mais tarde, os contatos e amizades levaram escritores tchecos às viagens pela América Latina (Jan Drda, Jaroslav Kuchválek ou Ján Kostra visitaram Pablo Neruda na casa dele na Isla Negra). Em 1965 os escritores tchecos Lumír Čivrný e Norbert Frýd encontraram Pablo Neruba em Chile (Valparaíso) e Jorge Amado (na época Amado morava no bairro soteropolitano Rio Vermelho). Nos anos 1961-1967 Čivrný visitava o amigo dele Nicolás Guillén na Cuba (Čivrný se tornou tradutor de Guillén para o tcheco).

O livro de Zourek contém o testemunho do chileno Ricardo A. Latcham – “Most mezi východem a západem” (Ponte entre o Oeste e o Leste, p.68-71) e “Rozhovor s prezidentem Benešem” (Encontro com o presidente Beneš, p.72-75) – um capítulo dedicado à Jorge Amado (p.77-85) e texto dele “Neexistuje železná opona, nýbrž opona dolarová” (Não existe a cortina de ferro mas cortina de dólar) e vários outros onde, além das outras coisas, descreve a vida no palácio de Dobříš.  No capítulo dedicado ao autor carribenho Nicolás Guillén (p.95-105) encontramos descrição da viagem dele com Jorge Amado até a Sibéria e descrição de Praga. Descrições de Praga encontramos também no capítulo dedicado ao Jesualdo Sosa (uruguaio que vem da família uruguaio-brasileira) – Jesualdo Sosa vivenciou duas visitas em Praga e das duas deixou para nós os ensaios. De novo Soso menciona Jorge Amado, que se tornou durante algum tempo quase uma parte permanente da comunidade latinoamericana em Praga.

O capítulo dedicado à Pablo Neruda é um pouco maior (p.119-141), pois contém várias poesias de Praga e informações sobre a atuação de Neruda no país. Zourek também menciona a admiração de Neruda pelos escritores tchecos Kafka e Rilke e também o fato que Neruda estimulava muito as relações entre Chile (que não teve relações com a Tchecoslováquia durante anos 1947-1956) e Tchecoslováquia. O segundo escritor brasileiro ao qual Zourek presta atenção é Graciliano Ramos (p.143-154), na Tchecoslováquia conhecido como autor de Vidas Secas e São Bernardo. Nesta parte do livro, Zourek lembra a importância da tradutora Vlasta Havlínová, que conhecia pessoalmente tanto Amado quando Ramos. Em 1951 Ramos viajou à União soviética, liderando a delegação dos artistas brasileiros. As experiências dessa viagem foram registradas no livro “Viagem”, Checoslováquia – U.R.S.S. (publicado depois da morte do autor em 1954). A viagem em si durou só 56 dias, e a obra está dividida em 34 capítulos.

Os capítulos dois, três e quatro são dedicados à curta estadia na Tchecoslováquia. Lá encontrou Jorge Amado e também a tradutora Vlasta Havlínová que apareceu como Vlasta no livro. Ramos não teve problema em criticar o comunismo e mencionar aspectos negativos do estalinismo. A linguagem dele em “Viagem” é bastante neutra, manifesta distanciamento crítico. Por isso essa obra pode ser vista como intemporal. O capítulo seguinte trata sobre mexicano Efraín Huerta (1914-1982, p. 157-162). Huerta já como estudante simpatizou com o socialismo, e mais tarde foi muito engajado no movimento de paz. Assim teve várias oportunidades de visitar Leste Europeu e escreveu Poemas de viaje (1956) – primeira parte dedicada aos EUA e outras partes aos países como URSS, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria. A primeira viagem lhe levou à Karlovy Vary (1950, cidade visitada por D. Pedro II ou Paulo Prado), a segunda viagem (1952) à URSS, durante a qual escreveu um poema dedicado à vila tcheca Lidice (cuja população foi exterminada pelos nazistas) intitulada La sílaba dorada. Na terceira viagem (1953) visitou Budapeste e Praga. À Budapeste dedicou o poema El río y la paloma, à Praga dedicou Praga, mi novia. Natural da Andalusia, Luis Suarez (1918-2003, p. 165-177) logo entrou no Partido Comunista da Espanha, e depois fugiu para México. Mais tarde, Suarez se tornou um dos principais membros da União internacional dos jornalistas, organização pró-soviética, e assim visitou grande número dos países –  testemunhou a caída do regime de Duvalier no Haiti, regime de Allende no Chile, revolução sandinista na Nicarágua, testemunhou guerras em Angola, Algéria, Vietnã ou Afeganistão, intervenções dos EUA na República Dominicana, Granada ou Panamá, foi grande defensor de Fidel Castro em Cuba, e foi amigo pessoal de vários presidentes. Para o Leste Europeu, Suárez viajou no ano 1953, e mais tarde publicou suas impressões da Romênia, Polônia e Tchecoslováquia, numa revista mexicana, e mais tarde até livro Otro Mundo (1954). Nos textos dele podemos observar a comparação entre vários países do Leste Europeu, onde ele observou mais a Polónia (aqui visitou não só capital, Varsóvia, mas também Cracóvia e muitos outros lugares. Na Tchecoslováquia, Suárez visitou Praga e Lidice e – assim como muitos outros intelectuais latinoamericanos – encontrou-se com Jorge Amado e Ilya Erenburg. Alfredo Gravina (1913-1995) é escritor uruguaio, natural de Tacuarembó. Em 1947 Gravina entrou no Partido comunista do Uruguai e colaborou com a imprensa partidária comunista. Mais tarde ocupou vários cargos nas associações políticas. Para o Leste Europeu viajou em 1953 e escreveu Crónica de un viaje a la URSS y Checoslovaquia (1955). Argentino de origem espanhola, Raúl González Tuñón (1905-1973, p. 197-217), hoje considerado um dos mais importantes poetas argentinos para Europa, pela primeira vez já no ano 1929. Visitou Espanha e Paris, lá escreveu um dos livros mais importantes dele La calle del agujero en la media (1930). No ano 1930 partiu de novo para Espanha e escreveu outra obra, La rosa blindada (1935). Em 1937 viajou para a Espanha de novo, e depois da Segunda Guerra Mundial, nos anos 1950, viajou pela primeira vez para URSS. Naquela época, visitou a URSS, a Tchecoslováquia e a China. Desta viajem resultou o livro Todos los hombres del mundo son hermanos (1954). Em Praga, Tuñón ficou 18 dias, acompanhado por Jaroslav Kuchválek descobria belezas dessa cidade, e encontrou funcionários do Conselho Mundial da Paz: Jorge Amado, Nicolás Guillén e Alfredo Varela. Tuñón foi um comunista dedicado e fiel até o fim da vida. O capítulo está acompanhado pelos ensaios de Tuñón sobre Praga e Dobříš.

Outro escritor tratado no livro é o colombiano mundialmente conhecido Gabriel García Marquéz (1927-2014, p.219-237), escritor que ganhou muitos prêmios, fama internacional e até Prêmio Nobel da Paz. García Márquez era sempre representante da esquerda comunista e foi um amigo muito próximo de Fidel Castro. Apesar de ser simpatizante do partido comunista, nunca entrou nele, e as relações entre ele e os comunistas eram sempre tensas. García sempre sonhou com a viagem de trem de Paris até Praga, e esse sonho se realizou junto com Júlio Cortázar e Carlos Fuentes, em dezembro 1968. Na mesma época foi amigo do escritor tcheco Milan Kundera. García Márquez visitou Leste Europeu duas vezes, nos anos 1955 e 1957. Ambas viagens tiveram papel crucial na orientação política dele. Aliás, essas viagens levaram García Márquez a escrever uma série de onze reportagens (1957) sobre as experiências dele nos cinco países leste europeus. Aí encontramos reportagem de Praga. García Márquez não manifestou nenhum fascínio pela Europa ocidental – por exemplo, a quarta república francesa incapaz de resolver a crise com a Algéria foi para ele um símbolo da decadência e esgotamento. García Márquez conheceu o Leste Europeu mais do que qualquer outro escritor latinoamericano – conheceu Berlim oriental e ocidental, Praga, Varsóvia, fez viagem de Terst até Vienna, conheceu Bratislava, Budapest, Kiev, Moscou, Stalingrado. Grande parte destas reportagens foi publicada no jornal colombiano Independiente e venezuelano Momento. Mais tarde a esquerda colombiana ficou bastante sob influência da Cuba de Fidel Castro e o socialismo do leste europeu. Décadas depois, quando García Márquez já foi mundialmente conhecido, publicou De viaje por los países socialistas. 90 días en la “Cortina de Hierro”.

Carlos Fonseca Amador (1936-1976, p.239-243) era uma das figuras mais influentes na política de Nicarágua, durante segunda parte do século XX. Visitou a Tchecoslováquia ainda como estudante em 1957 – única viajem ao Leste Europeu dele. Fonseca era comunista – entrou no partido socialista de orientação pró-soviética já no ano 1955 e no mesmo ano iniciou os estudos de direito. Na mesma época iniciou seu trabalho numa revista estudantil El Universitário criticando regime de Somoza a política dos Estados Unidos. Depois da morte violenta do ditador começaram as repressões em Nicarágua, Fonseca fugiu à Costa Rica onde morou na casa do amigo Manol Cuadro. Nessa época (de julho até agosto 1957) ocorreu um festival em Moscou visitado por mais de 35 mil delegados de 131 países do mundo. Entre delegados latinoamericanos foram Jorge Amado, Nicolás Guillén, Pablo Neruda, Miguel Ángel Asturias e também Gabriel García Márquez. Fonseca era o único representante de Nicarágua, e descreveu suas impressões num pequeno livro Un nicaragüense en Moscú (1958). Fonseca não visitou só URSS mas também cidades alemãs como por exemplo Dresden ou Leipzig, viu antigo campo de concentração em Buchenwald, visitou a Polônia, Leningrado, Kiev. Quando voltou a Managua foi imediatamente preso e passou por inquérito de três dias. Fonseca foi considerado uma figura crucial na preparação de conspiração contra o presidente nicaraguense. No ano 1961 participou na fundação Frente Sandinista de Liberación Nacional (FSLN) que se referia sistematicamente ao César Sandino (liderou resistência contra a ocupação norteamericana nos anos 1920 e 1930). Fonseca se tornou ideólogo desse grupo de guerrilha de orientação marxista, em 1968 se tornou líder. Três anos depois o regime de Somoza foi derrubado e o novo regime o declarou como herói nacional. Em 2006,  sandinista assumiram governo nicaraguense pela segunda vez e o culto de Fonseca voltou a fazer parte da ideologia de estado.

O penúltimo autor ao qual Zourek chama atenção é um escritor argentino Ernesto Malbec (1903-1991, p.245-256), autor cuja profissão e fama pertence ao domínio da medicina e futebol. Malbec não foi comunista mas um intelectual progressista. Ele visitou a  Tchecoslováquia no ano 1949.  Depois ficou em contato intenso com a embaixada tchecoslovaca em Buenos Aires por causa do planejado instituto tchecoslovaco-argentino de cultura, que nunca foi realizado por causa da posição anticomunista da maioria dos governos argentinos. O testemunho de Malbec da Tchecoslováquia é muito abrangente e também mais profundo do que nos outros autores apresentados por Zourek. Malbec,  publicou não só  artigos mas também livros (Como se vive en Rúsia, 1958; Yo los vi así, 1963). O segundo desses livros fala da visita de Alemanha, Suécia, Finlândia, Polónia, Hungria, Turquia e Tchecoslováquia. Aqui Malbec analisa os aspectos negativos ou socialmente patológicos da sociedade tchecoslovaca de então. As interpretações de Malbec não são idealizações engajadas da sociedade comunista, mas antes observações mais objetivas. O ultimo capítulo é dedicado ao autor cubano já mencionado Nicolás Guillén (o primeiro capítulo dedicado a esse escritor se encontra nas páginas 95-104), um representante importante do movimento comunista internacional. Em 1953 (com a aprovação do regime de Batista) Guillén se estabeleceu em Paris. Por um lado realizou um sonho dele, mas por outro, a vida parisiense dele foi cara demais e por isso passava tempo viajando – para Pequim, Bulgária e também para Tchecoslováquia. A correspondência com a mulher dele Rosa revela não só a saudade dele, mas também inúmeras viagens dele para Romênia, Alemanha, Polónia ou Hungria. Segundo Zourek Guillén funcionou durante algum período quase de embaixador do governo revolucionário de Fidel Castro.

Na parte final,  Zourek menciona a desilusão de alguns intelectuais latinoamericanos do desenredo da Primavera de Praga – a invasão dos exércitos da URSS. Alguns deles continuavam sendo fiéis a Moscou (Nicolás Guillén, Raúl González Tuñón ou Luís Suárez). Outro assunto sensível foi o expansionismo soviético – alguns latinoamericanos tiveram coragem de comentá-lo (ativista argentina Maria Rosa Olivier), outros preferiam ficar silenciosos (García Márquez). Alguns historiadores (Claudia Gilman) são convencidos de que os latinoamericanos perderam o interesse pela URSS logo no início dos anos 1960 como consequência da revolução cubana. Alguns deles começaram a criticar Moscou (Jorge Amado criticando estalinismo e defendendo poeta russo Boris Pasternak).  No fim do livro encontramos várias fotografias da correspondência de Jorge Amado e Zélia Gattai com os amigos deles tchecos. O livro de Zourek é com certeza uma obra excepcional produzida na República Tcheca, é também muito importante para a historiografia intelectual internacional e para os estudos iberoamericanos em geral. Não deveria faltar  na  prateleira do historiador que pesquisa nessas áreas.

 

 

 


NOTAS

1 Até o fim dos anos 1960 Praga foi a sede do PCE (Partido Comunista de España).

 

 

 


Créditos na imagem: Por volta de 1980. Gabriel García Márquez com Jorge Amado. ÁLBUM FAMILIAR DE MERCEDES BARCHA.

 

 

 

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