para Maria da Glória Oliveira
Yahoo! This is your celebration
Yahoo! This is your celebration
Celebrate good times, come on!
(Let’s celebrate)
Celebrate good times, come on!
(Let’s celebrate)
There’s a party goin’ on right here
A celebration to last throughout the years
So bring your good times, and your laughter too
We gonna celebrate your party with you
Robert Bell
O termo aniversário, do latim anniversarius, quer dizer o que volta anualmente. A partir da palavra latina, formada por meio da junção de annus, ano, e versus ou vertere, que pode ser traduzido por voltar, regressar, temos aniversário. Anniversarius é, portanto, aquilo que volta todos os anos. Há quem defenda que no termo está o latim anno conversus, que também significaria o que volta todo ano.
Inicialmente, as comemorações dos aniversários eram reservadas para as pessoas das classes de elite ou aos deuses. Na Grécia Antiga, por exemplo, tinha-se o costume de homenagear, anualmente, a deusa da caça Artemis com um bolo de mel e velas.
O primeiro aniversário talvez seja o mais marcante na vida de uma pessoa. Talvez, mais por conta dos pais dela, avós, tios, primos etc. do que por ela mesma. O primeiro aniversário é facilmente esquecido por quem o faz. Quem se lembra de quando fez um ano? Registros fotográficos, memoria familiar, causos podem e devem atestar que houve uma vez um primeiro aniversário.
Você se lembra de seu primeiro aniversário? Como vivia? Quais eram seus sonhos? Qual era seu universo de expectativa? Queria ter vida longa?
Em cinquenta e seis anos, eu comemorei muitos aniversários. Bem mais do que os cinquenta e seis de minha idade empírica. Em cinquenta e seis anos de vida, comemorei menos aniversários natalícios do que os de outra ordem ou espécie.
Não sei bem ao certo quando eu deixei de gostar de comemorar ter nascido, existir, essas coisas. Não sei bem se desisti, se me cansei, se fiquei desgostoso ou desapeguei.
Tenho memória de alguns aniversários de meu nascimento, de minha data natalícia.
O Aniversário que fiquei no quarto e só desci quando a prima chegou. Eu tinha menos de dez anos. Eu embirrei. Quando saí do quarto para ir à festa disse:
– Só vim por causa da prima.
Foi uma grosseria infantil, que ficou prosaica na família.
O aniversário que fiquei na porta de casa e só deixava entrar quem tinha presente pra me dar. Tinha uns cinco ou seis anos. Fui repreendido por minha mãe. Envergonhado, deixei a exigência traquinas de lado.
O aniversário em Porto Alegre. Nesse, eu já era adulto. Tinha mais de quarenta anos. Foi uma festa surpresa. Eu voltei da UFRGS, onde naquela tarde tinha dado aula numa disciplina de Pós-Graduação. Foi um aniversário feliz, tão feliz que no dia seguinte eu acordei de ressaca de felicidade. Deprimi.
Quando fiz cinquenta anos, eu esperava muito esse aniversário. Não via a hora de derrapar na curva dos cinquenta. Eu fiz tatuagens novas. Eu apresentei comunicação oral num congresso de retórica, tive uma pneumonia. Eu derrapei.
No meu aniversário em 2015, eu estava no Rio de Janeiro na Casa do Povo da Casa, que é a casa de Tatiana Ribeiro e de Henrique Cairus em Santa Teresa. Ganhei um jantar que, embora pizza, foi um banquete entre sábios cada qual à sua maneira.
Todo dia tem um aniversário. Claro, todo dia nasce gente. E todo dia nasce-morre, mas não é toda gente que comemora um ano que entrou na Faculdade, um ano que se formou, anos e anos em que defendeu dissertação ou tese.
De meu primeiro aniversário natalício não tenho fotografias. Embora elas tenham existido, se perderam. No entanto, tenho imagens de aniversários infantis vários, de seus cardápios cheios de cachorros-quentes com molho de tomate, cebolas e pimentão vermelho em mini pão francês.
Tenho também uma memória muito antiga de uma vez em que não quis comer brigadeiro argumentando que havia crianças que não comeriam.
Estaria ali um despontar socialista? Solidário? Eu já me orgulhei desse evento. Nunca o comemorei quando essa data fez anos. Já cheguei a pensar em uma espécie de drama infantil, introjeção de culpa ou demagogia infantil. Tudo isso já aniversariou e já caducou.
Não sei bem a partir de que momento eu passei a comemorar outros aniversários. Não digo apenas de outros seres, como pai, mãe, primos, amigos, companheiros. Digo de aniversários que mais são efemérides do que natalícios propriamente.
Entre os aniversários de gente querida há muitos, como o aniversário do Professor João Adolfo Hansen. Em um deles do tempo em que convivi com o Professor, eu me lembro de um em que dei a ele uma edição do Príncipe, de Maquiavel, com comentários de Napoleão. Uma edição que comprei num alfarrábio em Sevilha. Hansen mal recebeu o presente na Faculdade de Letras da USP e ali mesmo foi furtado. Ficamos frustrados.
Há os aniversários de Caetano, Chico, Gil, Bethânia e de Gal Costa. Todos os anos eu os comemoro.
Já comemorei o aniversário de Alice Ruiz com poema dedicado a ela.
O aniversário de William Feitosa, que é no mesmo dia do aniversário da cidade de São Paulo, sempre comemoro brincando com ele que ele faz o número de anos da cidade, como se ele fosse um Quatrocentão dos antigos.
Há também os aniversários de morte. Sempre os achei paradoxal. Pode ser que, mesmo assim, eu os tenha mais comemorado do que os de vida, de nascimento. Em todos os casos, o aniversário de morte, ou em homenagem a um morto, é aniversaria pro mortuo facere, fazer o aniversário do morto. O Padre Boldoni na sua Epigraphica chama ao aniversário dos defuntos aniversariae infartae, arum, como compendia Rafael Bluteau[1].
Com o advento das redes sociais, e antes disso das agendas eletrônicas, dos aparelhos de telefonia móvel, ficou fácil ser avisado dos aniversários de pessoas queridas, próximas, amigas.
Ainda assim, eu me esqueço de muitos aniversários. Mais do que me esqueço, a depender do dia, de meu humor, disposição de espírito etc., eu ignoro aniversários.
Que ninguém se ofenda! Não é nada pessoal. Se eu deixei de cumprimentar alguém que me lê perdoe-me, por favor!
Quem mais dá valor ao fazer dezesseis anos que defendeu doutorado numa tarde fria na USP do que o então candidato a doutor?
Quem mais dá valor ao fazer vinte e um anos que recebeu o título de mestre a não ser o titulado?
Comemoram-se também aniversários de casamento. E as formas de casamento, os contratos são vários.
Comemoram-se aniversários de divórcios? Destratos? Desaniversários?
Será que quem faz o aniversário é quem mais o valoriza?
Na semana retrasada meu pai fez oitenta e sete anos. Comemorei e valorizei. Ele me disse por telefone:
– Ganhei um presente hoje!
Eu:
– É? Mas é porque é seu aniversário. Deve ter ganhado mais do que um.
Ele:
– Acordei achando que fazia noventa, daí eu fiquei sabendo que faço oitenta e sete.
Comemoramos ele ter ganhado três anos a menos de vida, o que pode lhe dar três a mais. Vida (mais) longa a meu pai!
Este ano no aniversário de minha mãe, eu a dei a ela mesma, dizendo que eu preparava uma fotografia em que ela se reconhecesse não uma canção em que todas as mães se reconhecessem.
Na semana passada, fez dezesseis anos que defendi doutorado. Lembro-me até hoje que fui com William Feitosa Nascimento para USP de carro, com ele dirigindo. Lembro-me que eu estava de camisa rosa. Iria almoçar uma feijoada, mas optei por um grelhado e uma salada de folhas verdes. Comecei no almoço a vencer a defesa, pois a escolha do prato foi prudente.
Hoje faz um ano que iniciei esta coluna. Exatamente no dia oito de julho de 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19, eu publiquei meu primeiro texto nesta coluna Proust Suburbano. Há exato um ano, eu enviei a proposta de ser colunista nesta revista.
À altura, eu propus assinar uma coluna quinzenal com crônicas (ou contos, eventualmente), resenhas de livros de poesia e/ou resenhas de dissertações de mestrado, de teses de doutorado das áreas de História, Letras/Literatura/Filologia. Eventualmente, seriam publicados poemas. Quando os textos fossem poemas, seriam privilegiados conjuntos de poemas curtos ou pequenas séries de poemas, de três a cinco textos por publicação poemática. Maioritariamente, os textos seriam em prosa, ficcionais, ou bioescritas, que também deveriam ser curtos. Geralmente, textos de matérias memorialísticas, históricas ou de autoficção, de assuntos variados como este.
Espero que este aniversário não seja importante apenas para mim. E que eu tenha leitores que também comemorem esta efeméride.
Para fazer jus aos intuitos desta coluna, este texto se debruçou sobre alguma memória de aniversários. Porém, mais do que isso, meu propósito é o de renovar aqui o compromisso narrativo, o compromisso memorialista.
O leitor pode ver que de minhas promessas eu não cumpri apenas uma. Neste primeiro ano de publicações na HH Magazine, embora tenha usado poemas como epígrafes eu não publiquei nenhuma série de poemas.
O segundo ano da Proust Suburbano pode corrigir isso. Voltando, poderá se verter, se reverter ou se converter em poesia.
NOTAS
[1] BLUTEAU, Rafael. Vocabulário Português e Latino (…). Coimbra: Oficina das Artes, 1712, vol. 1, pp. 384-385 (verbete Aniversário).
Créditos na imagem: Divulgação. Alvorecer – aquarela de William Feitosa Nascimento
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Eduardo Sinkevisque
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