Liderados por Émile Durkheim (1951), os sociólogos do século XIX enxergavam os movimentos sociais como resultado de anomia e desorganização social, por outro lado, no fim desse mesmo século e início do século XX, os movimentos do período entre guerras conhecidos como Nazismo, Fascismo e Stalinismo se encaixaram na imagem de violência e extremismo (TARROW, Sidney. 2009). Chales Tilly por sua vez, irá defender que movimentos sociais são arranjos inclusivos formados por diversos grupos de interesse, envolvendo uma elaboração coletiva de reinvindicações (TILLY. Charles, 2010). Esses grupos, por sua vez, possuem um conjunto de valores em comum, sendo que o potencial da ação de um movimento é traduzido pelo reconhecimento dos seus participantes e pelos seus interesses comuns, assim os movimentos sociais podem ser designados como parte das lutas nacionais pelo poder. Nesse sentido, o que se encontra na base dos movimentos sociais são as ações coletivas, ou seja, a busca de objetivos por um conjunto de agentes. Sidney Tarrow diz que a ação coletiva pode se manifestar de diversas formas:

 

A ação coletiva pode assumir muitas formas – breve ou sustentada, institucionalizada ou discursiva, monótona ou dramática. A maioria delas ocorre no interior de instituições, através de grupos constituídos que agem em nome de objetivos que dificilmente causariam estranheza (TARROW, 2009, p.19).

 

A partir dessa perspectiva, podemos identificar os panelaços como formas de manifestações sociais e ações coletivas que podem surgir de maneira espontânea ou não, sendo realizadas ao redor do mundo em ruas, praças e espaços públicos para protestar de forma pacífica, contra posições governamentais. Diferentemente de outras manifestações, as sonoridades, ou seja, o campo sonoro em que se inserem tais ações, são a fonte característica desse movimento, nos quais os manifestantes se utilizam de elementos do cotidiano para reproduzirem os sons (BETENCOURT, 2014).

Embora, seja atribuído por alguns intelectuais que a origem do panelaço tem como berço a América Latina, especificadamente o Chile na década de 1970 governado pelo então presidente Salvador Allende e denominado como “Cacerolazo”, a repórter Thasa Sandoval, colunista colombiana do jornal “The Bogotá”, em 2019, reatualizou essa perspectiva, informando que os panelaços surgiram no século XIX na França. De acordo com ela, os republicanos franceses que se opunham à monarquia entre 1830 e 1848 começaram a bater panelas e frigideiras em frente dos prédios públicos do governo, para zombar dos funcionários públicos da monarquia de Julho. Ao longo dos anos, o “Cacerolazo” conhecido no Brasil como “Panelaço” tomou as ruas em diversos países pelo mundo.

No Chile, em 1971 um grupo de mulheres do agrupamento chileno denominado “Poder Feminino” bateu panelas e outros utensílios de cozinha em manifestação contra a situação social do governo de Salvador Allende. Em 1980, as manifestações de mesmo cunho eram dirigidas a Augusto Pinochet, questionando a repressão política, torturas e os desaparecimentos dos militantes. Nesse contexto, os panelaços questionavam toda a crise econômica que o país atravessava bem como a implantação de políticas neoliberais. No Uruguai, existem registros de panelaços durante o período de ditadura militar (1982-1984) e, em 2002, um panelaço contra o presidente Jorge Battle. Na Argentina em 2001, a população foi às ruas com suas panelas, escumadeiras e outros utensílios domésticos se manifestarem pedindo a renúncia do presidente La Rua que tinha declarado estado de sítio.

No Quebec, os panelaços dos estudantes estouraram em maio de 2012 em Montreal, depois que o governo da província criou um projeto denominado Bill 78 onde se tinha restrições ao direito de protestar. Houve, portanto, um aumento de protestos estudantis contra o projeto de lei e, após a mudança de governo em setembro do mesmo ano, o projeto foi revogado.

Na Catalunha, em 2017 quando os catalães estavam se preparando para votar a favor da independência, os panelaços de 15 minutos irromperam as noites de Barcelona, sendo influenciados pelos imigrantes que viviam em Barcelona e que haviam passado pelos panelaços de 2001 na Argentina.

Na Venezuela, os panelaços aconteceram no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, quando cidadãos protestavam contra as reformas econômicas do estão presidente Carlos Andrés Péres. Em 1992, um grande contingente de trabalhadores da classe trabalhadora encheu as ruas com sons das panelas. Mais recentemente, venezuelanos descontentes batiam em panelas e frigideiras de suas casas e de suas janelas, sem se reunirem em massas nas ruas. Esse episódio se tornou decorrente durante todo o governo de Hugo Chaves, que, em 2012, saiu nas ruas dançando ao som das panelas zombando do movimento. Em 2019, os manifestantes também expressaram suas insatisfações contra Nicolás Maduro.

Na Colômbia, com a greve nacional de 2019, os panelaços se tornaram um símbolo de protesto pacífico. Os cidadãos de suas casas ou em concentrações nas ruas se reuniam para expressar sua insatisfação com o governo, rejeitando a violência em favor da vida. Os manifestantes protestaram durante cinco noites seguidas na capital de todo o país. E no dia primeiro de dezembro de 2019, houve um panelaço latino-americano, onde os colombianos pediram para que toda a América-Latina protestasse pacificamente com as panelas pedindo uma política para o progresso e a dignidade.

O Panelaço, surgiu com o intuito de se manifestar contra o Governo, sobretudo, os que abusavam do poder causando desigualdades no seio social, e em países como o caso do Chile, as manifestações ocorreram até mesmo contra a política neoliberal. Embora, a partir de 2012, a Venezuela tenha começado a adotar os panelaços em ambiente domiciliar, sua corrente originária tomou as ruas nas décadas de 1980 e 1990.

No entanto, aqui no Brasil, o “Panelaço” como um evento político reconhecido pela mídia, teve sua primeira aparição em ambiente domiciliar no ano de 2015, especificadamente no dia 8 de março, durante o pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff em rede nacional, onde parabenizava as mulheres pelo dia Internacional da mulher. O ato foi percebido em bairros de classe média alta, em diversas capitais brasileiras (DUNKER, C.I.L.; HESHAINER, M.C.R; JUNIOR, N.L, 2018), as pessoas saíram em suas portas e janelas batendo panelas, usando apitos e gritando vaias em sinal de protesto à presidenta e ao Partido dos Trabalhadores (PT). Nesse mesmo ano, ocorreram mais 4 panelaços em datas distintas, em geral durante aparições da então Presidente Dilma Rousseff em canais televisivos.

Além disso, no Brasil, é notória a presença de uma “polarização” política que o panelaço incorporou no país ao longo dos anos, tendo em vista que, de 2015 à 2018, seu público era formado necessariamente por opositores ao governo de Dilma Rousseff, tendo como características principais o ódio ao governo, a indignação com a corrupção, o repúdio ao Partido dos Trabalhadores, o mote do “combate à corrupção”, a percepção do comunismo como “inimigo a ser combatido” e à objeção à condução da economia pelo Estado (DUNKER, C.I.L.; HESHAINER, M.C.R; JUNIOR, N.L, 2018). No entanto, a partir de 2019, os panelaços parecem ter assumido outra personificação em seu conjunto de atores políticos, tendo em vista que ele foi convocado inclusive por políticos de esquerda, além de serem contra o atual Presidente Jair Bolsonaro, que na época fez um pronunciamento anunciando medidas para tentar conter os incêndios ocorridos na Amazônia. Todavia, em 2020  após Bolsonaro dizer que tudo não passava de “pura histeria”, em relação às medidas a serem tomadas perante a crise pandêmica do vírus COVID-19, tanto uma parcela dos manifestantes que bateram panela em 2015 e que eram opositores  ao governo do Partido dos Trabalhadores (PT), quanto os militantes de esquerda   juntaram-se nessa forma de protesto contra o Presidente, que, em seus discursos e ações, ia de encontro às indicações fornecidas pela OMS (Organização mundial da Saúde) perante ao período de quarentena.

Embora, o período de quarentena em detrimento da pandemia da covid-19, tenha fortificado os panelaços ao redor do mundo em ambiente domiciliar pela impossibilidade de ocupar as ruas, os ânimos dos manifestantes brasileiros, sobretudo, paulistanos  parecem estar bem inflamados através desse tipo de manifestação, como o caso de pelo menos dois edifícios em Perdizes na região da zona oeste de São Paulo, que foram atingidos por tiros com armas de pressão durante os panelaços, e o do vizinho de outro condomínio na região de Pirituba, da zona norte de São Paulo, que cuspiu em uma das moradoras, quando ela sugeriu que ele diminuísse o som propagado.

Embora, há quem diga que os panelaços de 2020 são frutos da esquerda política,é possível pensar no entanto, que o barulho das panelas não refletem de modo claro as posições políticos partidárias dos manifestantes, mas a distinção entre apoiadores e opositores do governo de Jair Bolsonaro, tendo em vista que até mesmo grupos da direita política como o Movimento Brasil Livre, (MBL) que foi o percursor em adotar e convidar manifestantes para essa  forma de protesto em solo brasileiro no ano de 2015, atualmente também andam convidando o público para se manifestarem contra algumas atitudes do presidente através dos panelaços.

De fato, o panelaço não nos levará a revolução mas, desprestigiá-los afirmando que “não mudam nada” ou são apenas “barulhos desnecessários” é cair na eterna ignorância de não analisar os fatos históricos e deixar de enxergar que esse tipo de movimento no Brasil, foi ponta de lança, para que a direita política se organizasse desde 2015 e saísse posteriormente às ruas do país, expelindo ódio e pressionando um processo de impeachment contra o antigo governo. De modo geral, ignorar a história, é como estar preso em um surto psicótico coletivo, achando que eleger um apoiador de Brilhante Ustra a presidente, nos salvará de um “inimigo vermelho” inexistente.

 

 

 


REFERÊNCIAS

BETENCOURT, P. R. Memórias dos Cacerolazos: Cartografia de forças não sonoras se tornando sonoras. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Programa de Pós graduação em mudança social e participação política. Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo. 2014.

DUNKER, C.I.L.; HESHAINER, M.C.R; JUNIOR, N.L. Panelaço o Estado de Exceção: Uma leitura psicanalítica da convulsão brasileira dos anos 2015-2016. Revista Subjetividade, 18(1):11-22 abril, 2018.

SANDOVAL, T. A journey around the world with the history of the cacerolazo. The Bogotá Post, Política. Colômbia, Bogotá. 27 nov. 2019.

TARROW, S. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis, Vozes, 2009.

TILLY, C. Movimentos sociais como política. Revista brasileira de Ciência Política, nº3. Brasília, pp. 133-160, janeiro/julho, 2010.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução.

 

 

 

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