Marcada por uma intensa distinção social e normatização dos papéis e identidades de gênero estabelecidos aos sexos, a História das Mulheres foi caracterizada por um árduo caminho de restrições e silenciamentos. Na maioria das vezes, as representações sobre as mulheres não eram produzidas por elas próprias e, quando existentes, se baseavam em discursos masculinos que buscavam categorizá-las e delimitar suas ações.

Mesmo que nas últimas décadas as categorias de gênero tenham se tornado mais presentes no campo historiográfico, podemos dizer ainda são vários os desafios enfrentados pelas mulheres ao tentarem se afirmar enquanto personagens históricas integrantes e atuantes no meio social. De modo geral, as questões femininas e o estudo das intelectuais continuam a receber pouca visibilidade e raramente se configuram como um campo de estudo legítimo, constituindo-se como um tema exclusivo para especialistas em mulheres, gênero e feminismo.

Foi pensando nisso que preparamos uma lista com cinco artigos sobre mulheres intelectuais e escrita feminina que você precisa ler. Nessa bibliografia comentada, trazemos indicações de artigos da revista História da Historiografia que abordam a inserção feminina na acadêmica e buscam colocar a questão de gênero no centro dos debates. Os artigos reunidos são leituras fundamentais que enfatizam a necessidade de refletir sobre a forma como a mulher, tanto enquanto intelectual como enquanto sujeito histórico, tem sido retratada pela historiografia.

Confira:

 

1) Os sons do silêncio: interpelações feministas decoloniais à História da historiografia

Maria da Gloria de Oliveira

 

Em diferentes abordagens, a história intelectual e a história da historiografia, raramente falam sobre gênero como uma categoria útil para análise histórica, reforçando a pouca centralidade que recebem as obras de autoria feminina. É nesse sentido, que a autora Maria da Glória dildae Oliveira constrói o argumento central de seu artigo e se debruça sobre a condição historicamente marginal e periférica das mulheres no campo da história intelectual.

A partir de desafios postos pela perspectiva feminista decolonial, o artigo propõe uma reflexão acerca da invisibilidade das produções de autoria feminina. Com base na persistência de um modelo de pesquisa com foco predominante nos estudos dos repertórios canônicos de obras de autoria masculina, branca e europeia, Oliveira aborda a separação paradigmática que se manifesta nas formas de silenciamento sobre as contribuições intelectuais das mulheres. O argumento desenvolvido pela autora é de que a produção de autoria feminina se manteve em larga medida como o “outro” silenciado, marginal e periférico nos cânones historiográficos e na memória disciplinar.

 

2) De preterida a preferida: considerações em torno da trajetória intelectual de Alice Piffer Canabrava (1935-1951)

Otávio Erbereli Júnior

 

Até pouco tempo atrás, muitas mulheres com notórias trajetórias intelectuais tiveram sua carreira prejudicada justamente pelo fato de serem mulheres e tentarem alcançar postos que eram tradicionalmente destinados aos homens. É com base nessas tensões que se projetavam em relação ao lugar da mulher na cultura acadêmica que Otávio Erbereli Júnior desenvolverá o seu artigo sobre Alice Piffer Canabrava (1935-1951).

Com o objetivo de apresentar a recuperação profissional de Canabrava após a derrota no concurso para a cátedra de História da Civilização Americana, o artigo traz importantes considerações sobre trajetória intelectual da historiadora. Erbereli Júnior se debruça sobre a cultura acadêmica e sobre a concepção da época acerca do lugar da mulher na sociedade, para explicar os fatores que levaram a recuperação de Canabrava. Comparando a trajetória da historiadora com a de outras mulheres que partilhavam de uma mesma condição institucional o autor identifica a existência de uma cultura acadêmica misógina e evidencia as dificuldades encontradas pelas mulheres para alcançar reconhecimento acadêmico e intelectual.

 

3) Trajetória de Maria Yedda Linhares: notas sobre a construção de um devir

Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik

 

Maria Yedda Linhares (1921-2011) fez parte de uma geração de historiadoras consideradas pioneiras por serem as primeiras mulheres a ingressarem nos cursos superiores de História nas universidades brasileiras. É buscando explorar a inserção o reconhecimento dessas mulheres no mundo acadêmico que Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik elabora seu artigo sobre a trajetória intelectual de Maria Yedda Linhares.

Por meio da análise de entrevistas concedidas por Maria Yedda, o artigo explora a constituição de sua trajetória como professora universitária e historiadora brasileira. Com a perspectiva de gênero como fio condutor da análise, Liblik analisa os traços, sinais e situações que podem nos indicar como foi este processo de constituição da carreira e da repercussão das obras da historiadora no interior do campo historiográfico. Assim, para reconstruir essa trajetória, a autora explora as relações familiares, o relacionamento com os grupos de intelectuais, a atuação nos espaços institucionais e de pesquisa e o apoio e companheirismo desenvolvido entre Maria Yedda e seu marido, José Linhares.

 

4) A literatura mística feminina e a escrita da História na Baixa Idade Média ocidental

André Luis Pereira Miatello

 

Durante a Idade Média a escrita feminina inseriu as mulheres em um campo da historiografia na qual se fabricou uma linguagem específica de enunciação da vida interior. A partir desses modos de escrita e da evidente negligência da presença de mulheres no ofício de historiador, André Luis Pereira Miatello analisa em seu artigo como essa escrita mística feminina inseriu as mulheres no campo da historiografia, até então marcadamente masculina.

Com base nas reflexões de Michel de Certeau, André Miatello argumenta que a mística feminina constituiu uma “prática de escrita” que pretendia redefinir os limites do dizível, do real e do verdadeiro. O autor analisa as obras Li Vida de la Benaurada Sancta Doucelina e Il Memoriale di Angela da Foligno, produzidas por mulheres da Baixa Idade Média, para entender se e como essa linguagem mística engendra novas formas de narrar a história e abre outras possibilidades para compreender as noções de objetividade, subjetividade e alteridade na história e na historiografia ocidental.

 

5) Modo   de   ser   historiadora:   Cecília   Westphalen   no   campo historiográfico brasileiro da segunda metade do século XX

Daiane Vaiz Machado

 

Interrogar-se sobre os modos de ser historiador e sobre os procedimentos que perpassam a escrita de um texto implica inevitavelmente em questionar a sacralização dos objetos, conceitos, metodologias e autores. É pensando nessas premissas, que Daiane Vaiz Machado irá explorar em seu artigo como Cecília Westphalen construiu seu modo de ser historiadora nas tensões do campo historiográfico brasileiro da segunda metade do século XX.

O estudo investiga as faces do percurso intelectual de Cecília Westphalen (1927-2004) buscando identificar os elementos que fundamentaram seus projetos de pesquisa e diretrizes para o ensino. Para compreender o processo de construção do ofício da historiadora, Machado mobiliza a sua produção intelectual e documentos como a sua rede de correspondência, anais de eventos e atas de reuniões departamentais. Analisando o simbolismo dos trabalhos de Westphalen, a autora defende a ideia de que as obras da intelectual não receberam a almejada receptividade, localizando-se como uma obra “fora de lugar” em meio aos outros tipos de escrita da história que então eram dominantes.

 

 

 

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