Ditadura Militar: Seis artigos para entender melhor o tema

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O Golpe de 1964 deu início a um período de 21 anos de repressão que assolaria a história do Brasil. Através do exercício da violência, por meio de um Estado autoritário e antidemocrático, a Ditadura Militar (1964-1985) deixou centenas de mortos e desaparecidos, cerceando a liberdade da população civil e agravando ainda mais os índices de desigualdade social no país.

Embora nos últimos anos a historiografia da ditadura militar tenha dado um grande salto, urge ainda a necessidade de ressaltarmos a importância do trabalho de memória: “Lembrar para não repetir”. Em tempos de ameaça à democracia, olhar para o passado pode nos dar uma perspectiva para pensarmos nosso horizonte e projetarmos um futuro cada vez mais comprometido com os ideais democráticos.

Foi pensando nisso que preparamos uma lista temática com textos da revista História da Historiografia para conhecermos um pouco melhor sobre a história da ditadura militar no Brasil. Os artigos podem ajudar a entender melhor o regime militar e compreender seus impactos sobre a formação política e social do país e também seus efeitos sobre a escrita da história. Confira:

 

1) As cabecinhas estourando, a prisão do cientista e o cheiro da chuva: trauma, perplexidade e esperança em Não Verás País Nenhum

Ana Carolina Monay

 

Em um momento de ápice do capitalismo e sob um regime político autoritário, Ignácio de Loyola Brandão escreve um romance apocalíptico que se desenrola em um futuro distópico, no entanto, cada vez mais presente. Capaz de emanar a atmosfera do início da década de 1980 no Brasil, o livro Não Verás País Nenhum tece uma narrativa visando responder à questão máxima “como foi possível que chegássemos aqui?”.

Ao estabelecer um amálgama entre a interioridade e a exterioridade da obra, o artigo de Ana Carolina Monay analisa como a narrativa de Souza apresenta o trauma, a perplexidade e a opacidade da esperança. Com base na perspectiva de “leitura de Stimmung” de Hans Ulrich Gumbrecht, a autora busca apreender por meio da análise algo da atmosfera do tempo e mundo de Loyola Brandão, elencando importantes considerações sobre o Brasil de fim da década de 1970 e início de 1980.

 

2) A história de uma história: terrorismo extraterrestre a favor do governo, Brasil 1968

Daniel Faria

 

As relações entre violência e normalidade simulada; terror e legitimidade política; pânico social, teorias paranoicas da Guerra Fria e suas instrumentalizações pela Ditadura Militar, são os temas deste artigo. A partir dessas reflexões, o autor irá analisar os documentos, relatórios militares e noticiários sobre um grupo terrorista liderado pelo ufólogo Aladino Félix, responsável por vários atentados no ano de 1968.

A questão central colocada pelo autor é sobre as relações entre terror, terrorismo e política. Inspirado na estratégia narrativa do filme O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, Daniel Faria opta por uma forma narrativa heterodoxa, em que a autoria é dividida em três vozes narrativas distintas: a do historicista, a do niilista e a do bestializado. Assim, tendo em vista as pressões internas à Ditadura Militar, o texto aborda as implicações nos temas da racionalidade, dos afetos, dos desejos e das desrazões na vida política.

 

3) Anamorfose de um dia: o tempo da história e o dia 11 de dezembro de 1972

Daniel Faria

 

A escolha do autor pelo dia 11 de dezembro parte da leitura de uma carta escrita aos familiares por Honestino Guimarães, presidente da UNE e desaparecido político. Ao considerar que a história narrada também serve como um laboratório teórico, o artigo se desenvolve a partir de dois objetivos principais. Em um primeiro momento, é apresentada uma experiência narrativa historiográfica ao leitor, na procura de uma nova perspectiva para pensar a história da ditadura militar no Brasil. Posteriormente, o autor elabora questões teóricas a partir dessa experiência, pensando suas relações com a escrita da história.

A anamorfose corresponde a um conjunto de operações que consiste em arruinar a perspectiva, deslocando as formas para além de si mesmas, distorcendo-as, alongando-as e encurtando-as. Apoiado neste conceito, Daniel Faria irá categorizar o relato sobre o dia 11 de dezembro de 1972, estabelecendo uma discussão teórica sobre as relações entre poética, tempo e história.

 

4) Lembrar abril: as historiografias brasileira e portuguesa e o problema da transição para a democracia

Américo Oscar Guichard Freire

Francisco Carlos Palomanes Martinho

 

Dez anos após o Golpe de 1964 instaurado no Brasil, um outro golpe de Estado derrubava a ditadura corporativa portuguesa e abria caminho para a Revolução dos Cravos. Américo Oscar Guichard Freire e Francisco Carlos Palomanes Martinho desenvolverão este artigo por meio das semelhanças e diferenças entre a instauração da ditadura brasileira e a transição portuguesa.

O artigo tem o objetivo de chamar a atenção para um debate que está longe de se esgotar, discutindo como os estudos históricos têm lidado com a memória social a respeito da experiência democrática. Os autores situam e analisam questões que marcaram a produção historiográfica brasileira e portuguesa nos dois países acerca do tema. Para tanto, o artigo se debruça sobre as correntes interpretativas que colocam em questão o significado e a profundidade das mudanças desencadeadas durante a transição democrática.

 

5) O engajamento político e historiográfico no ofício dos historiadores brasileiros: uma reflexão sobre a fundação da historiografia brasileira contemporânea (1975-1979)

Rodrigo Perez Oliveira

 

A forma como os historiadores interagem com as agendas coletivas são desdobramentos das questões que estão sendo disputadas pela sociedade dentro da qual eles desenvolvem seus trabalhos. É com base nesse princípio que Rodrigo Perez Oliveira busca examinar a relação entre os historiadores profissionais brasileiros e a sociedade no início da transição da Ditadura para a Nova República.

Tomando como recorte de análise os anos de vigência do I Plano Nacional de Pós-Graduação (1975-1979), o artigo examina a institucionalização do tipo de historiografia que até hoje é legitimada como profissional. A hipótese do autor sugere que nesse período havia uma forte tendência de engajamento dos intelectuais nas agendas abertas pela redemocratização. Assim, o principal aspecto da reflexão desenvolvida no artigo é a tensão complementar entre um intenso engajamento historiográfico e um tímido engajamento político direto no ofício dos historiadores brasileiros durante os primeiros anos da redemocratização no país.

 

6) O lado escuro da força: a ditadura militar e o curso de história da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (FNFi/UB)

Marieta de Moraes Ferreira

 

Nos últimos tempos, têm sido crescentes os debates acerca do papel social dos historiadores e da história universitária. Em virtude da instalação da Comissão da Verdade, destinada a apurar crimes contra os direitos humanos, essas questões passaram a se manifestar como um tema ainda mais desafiador para os historiadores do ponto de vista ético e político.

À luz dessas reflexões, a proposta do artigo de Marieta de Moraes Ferreira é focalizar os últimos anos da existência do curso de história da FNFi/UB (1958-1968) para pensar em que medida a história universitária deve estar sintonizada com as demandas sociais.  Analisando os diferentes tipos de fontes como depoimentos orais, jornais, documentos da FNFi, arquivos policiais, o artigo tem o objetivo de recuperar os embates políticos e historiográficos aí travados, e entender o percurso desse campo disciplinar e seu processo de profissionalização, num momento de grandes transformações.

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Ilda Renata Andreata Sesquim

Doutoranda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Participa do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM). Desenvolve pesquisa na área de Teoria da História e História da Historiografia Brasileira, onde tem como objeto a História das mulheres intelectuais no Brasil.

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